Por Igor Serrano. Legenda da Imagem de capa: 2023 Vasco uniforme 3. Divulgação/ Reprodução: Alessandra Lima-Movedby.
No último dia 16 de setembro, o Vasco subiu ao campo do Estádio Nilton Santos estreando seu novo terceiro uniforme, na partida diante do Fluminense, válida pelo returno do Campeonato Brasileiro Masculino de 2023. Fabricada pela marca italiana Kappa, a camisa sem a tradicional faixa, com gola polo branca e de cor predominantemente preta, traz à tona um dos momentos mais importantes da história do Club de Regatas Vasco da Gama, não só para seus torcedores.
Segundo atesta a maioria dos pesquisadores, o futebol chegou ao Brasil no final do século XIX, graças a estudantes brancos de classes sociais altas, que foram enviados para estudar na Europa e, quando retornaram ao país, passaram a divulgar o esporte entre seus pares. Apesar disso, não demorou muito para o futebol se espalhar para todas as classes sociais, embora não fosse esse o desejo de seus “catequizadores”.
Em 1923, com uma equipe formada principalmente por jogadores de origem humilde, sendo alguns deles negros, grande parte descobertos em campeonatos dos subúrbios do Rio de Janeiro, o Vasco disputou como azarão o Campeonato Carioca Masculino, apesar do título da segunda divisão no ano anterior.

Após fazer grande campanha, resultando na conquista do título do campeonato de 1923 (seis pontos à frente do segundo colocado, Flamengo), os Camisas Negras do Vasco receberam uma ultrajante e criminosa proposta de seus adversários, que, incomodados, se reuniram, fundaram nova Liga e condicionaram a participação cruzmaltina à exclusão de doze de seus atletas por serem negros, analfabetos ou de origem humilde.
A diretoria vascaína, revoltada com a situação, optou pela não filiação à Liga e não participação de seu campeonato. Isso foi externado em ofício assinado pelo então presidente do clube, José Augusto Prestes, que ficou conhecido como “A resposta histórica”, cuja íntegra segue abaixo:
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.
As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.
Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.
São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glorias.
Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.
Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever
De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
Nota do Clube Regatas Vasco da Gama
José Augusto Prestes , Presidente” 1.
O feito promovido pelo Vasco serviu como importante exemplo para o esporte em geral, não só o futebol, como explica a presidenta do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Raquel Lima, “em uma época onde o preconceito e o racismo eram escancarados, historicamente, o Vasco foi o primeiro time brasileiro a desbancá-los. Um time da Zona Norte do Rio, que acabara de ascender à primeira divisão do futebol carioca e que, diferentemente dos demais clubes, optou pela técnica e talento na escolha de seus jogadores. A equipe composta por negros e operários, conhecida como os Camisas Negras, mudou o rumo do esporte”.
Voltando ao dia 16 de setembro de 2023, parece que o novo traje trouxe sorte ao Vasco. Comandado por Gabriel Pec (autor de dois gols na partida), o time venceu o Fluminense, pelo placar de 4×2 e deu mais um passo importante na luta contra o rebaixamento para a Série B de 2024.

