Por Ágatha Araújo. Foto de capa/Reprodução: Grupo GEN.
História e surgimento da data
“Praticada durante todo o curso da História, em toda forma de cultura e em todos os continentes, a poesia conversa com a humanidade presente em cada um de nós, transformando o mais simples dos poemas num poderoso catalisador de diálogo e paz”, assim a Unesco descrevia o gênero literário eleito para ser celebrado universalmente.
Desde 21 de Março de 1999, data escolhida para fundar oficialmente o Dia Mundial da Poesia, os objetivos da celebração são destacar o papel essencial da poesia na construção da linguagem e na expressão das línguas, principalmente as ameaçadas de extinção; facilitar o alcance de obras produzidas ao redor do mundo; reviver a tradição oral dos recitais e reconhecer não apenas a relevância de obras consagradas, mas também as produzidas pelos poetas do nosso tempo.
Uma poeta de verdade
Falando em enaltecer poetas do nosso tempo, a poeta, tradutora e redatora Luiza Vilela compartilha conosco a sua trajetória, seu processo de escrita, referências colecionadas durante sua vida acadêmica e sua transição de leitora de poesia para poeta de verdade, como gosta de brincar.

Luiza nasceu em Vitória, mas sua vida acadêmica nasceu na PUC-Rio, lugar onde se originou a paixão pela poesia contemporânea, “mas contemporânea mesmo, escrita pelos meus pares”, segundo ela, que mais tarde viria a ser a fonte de inspiração para o seu mestrado. Quando ainda era orientanda e aluna de Paulo Henriques Britto, Luli (como gosta de ser chamada nas redes sociais e na vida) tinha medo de escrever e apenas fazia piada-poemas, “qualquer coisa que deixasse bem claro que eu não me achava poeta de verdade, que estava ali de observadora, interessada apenas na técnica”. Mas durante a graduação adquiriu autoconfiança, passando a escrever no Jornal Plástico Bolha, do departamento de Letras, e até a frequentar eventos de recitais como o CEP 20.000 e o Versus Poesia, onde atualmente contribui em dupla, ela acha que “dá pra dizer que a PUC me fez uma leitora de poesia, e depois uma poeta”.
Colcha de retalhos culturais
Devoradora de romances desde cedo, Luli sempre foi familiarizada com a literatura. De sua mãe, herdou o gosto por Drummond, Pessoa e Shakespeare. Deste último, conheceu os sonetos e as peças no curso de inglês, ainda bem jovem, e o gênero caiu oficialmente no gosto. “A capacidade de unir tragédia e comédia pra mim é definidora do que é bom na literatura, sempre”, afirma acerca do que gosta nas obras do dramaturgo inglês. Para Luli, quebrar a tensão de um texto com humor, ou com uma “piscadela engraçadinha”, é uma coisa que persegue nas próprias obras, unir essas duas frentes que parecem contraditórias, mas que podem ser complementares.

Mas o contraste tragédia-comédia citado acima não é o único traço aplicado em seu estilo. Seu processo de escrita, ou mesmo o objeto que venha a ser o conteúdo do poema, é fruto do que está sentindo no momento. Luli se vale de um aforismo de Annie Ernaux, em que a escrita descortina, faz surgir algo que não poderia ser descoberto por nenhum outro meio, viagem ou maneira de canalização. “O que chega mais perto da escrita, pra mim, é a psicanálise”, reflete.

A poesia de Luiza chega a ser uma colcha de retalhos culturais, atravessada pelos panteões da poesia clássica, o frescor da proximidade presente na escrita de seus pares contemporâneos e os inesquecíveis anos 1990 e 2000, com suas séries, bandas e a MTV!. A partir de uma ótica Millennial, tão bem impressa em seus livros: As redes sociais foderam com a minha vida (2019) e Preciso lembrar de tudo (2022), Luli navega entre temas como acerto de contas com a memória, nostalgia, melancolia e as redes sociais, que funcionam como um ringue na luta entre a manutenção da saúde mental e necessidade de se manter informado e visto.
Confira o poema “WE DIE FIRST, THEN OUR BATTERIES” presente no primeiro livro da autora:
WE DIE FIRST, THEN OUR BATTERIES
I have the feeling the world is about to
explode and we’re going to go down filming
it, creating content and searching for our best
angles while entire cities burn, then countries,
until there’s nothing left but our collective
dust and out scattered smartphones playing
insta stories for no one to watch.
PRIMEIRO MORREMOS NÓS,
DEPOIS NOSSAS BATERIAS
Tenho a sensação de que o mundo está pra
explodir e nós vamos cair filmando, criando
conteúdo e procurando nossos melhores
ângulos enquanto cidades inteiras queimam,
depois países, até que não sobre nada além
de nossas cinzas misturadas e de nossos
celulares espalhados, passando insta stories
pra ninguém ver.


