Música Preta Brasileira: O símbolo da voz negra no Brasil 

Foto Capa: Elza Soares à esquerda (créditos: reprodução/G1); Gilberto Gil no meio (créditos: reprodução/cnnbrasil) e Emicida à direita (créditos: reprodução/portalPOPline)

Por Arthur Líbero

Um dos grandes símbolos de resistência está na música brasileira, que com o passar do tempo, vem tomando conta das rádios e das plataformas de streaming pelo país inteiro em gêneros como MPB, rap, trap e samba. Nomes que fizeram história na música brasileira têm suas histórias marcadas por luta e determinação e se tornaram inspiração para milhares de pessoas no país inteiro. Conheça alguns artistas que usaram e usam de sua música como marca de protesto contra o racismo.  

1- Elza Soares 

É impossível falar de samba sem citar uma das maiores vozes da música brasileira de todos os tempos. Nascida em 23 de junho de 1930, a artista nasceu na favela Moça Bonita, onde se situa a Vila Vintém, entre os bairros de Padre Miguel e Realengo, no Rio de Janeiro.  

Com uma família de dez irmãos, Elza foi obrigada pelo pai a se casar com apenas 12 anos, e engravidou de seu primeiro filho aos 13 anos de idade. Com a doença do marido Lourdes Antônio Soares, a menina precisou começar a trabalhar como encaixotadora em uma fábrica de sabão no Engenho de Dentro. 

Elza Soares na infância (créditos: reprodução/buzzfeed)

Apesar das dificuldades, Elza também aproveitou sua infância brincando na rua soltando pipas e girando piões de madeira. Mas o que mais gostava de fazer era cantar ao lado do pai enquanto ele tocava violão. Isso quando a menina não era interrompida pela mãe pedindo ajuda com os afazeres domésticos e Elza passou a levar latas d’água na cabeça para dentro de casa.  

Com 21 anos, Elza Soares ficou viúva e tinha ainda quatro filhos para criar. Foi quando começou a trabalhar como faxineira enquanto continuava compondo suas músicas. Mas somente em 1960 conseguiu se dedicar exclusivamente à sua carreira musical, quando surgiu um concurso na rádio, no qual cantoras interpretariam as músicas escolhidas pelos próprios curadores do programa e, como foi a vencedora, ganhou uma oportunidade de trabalho, assinando um contrato e cantando semanalmente. Com o tempo, foi convidada para aparecer na TV, e nesse mesmo ano fez sua primeira turnê internacional, e percorreu os países da América do Sul, América do Norte e Europa.

Elza Soares cantando na rádio (créditos: reprodução/arquivonacional)

Com 60 anos de carreira, Elza Soares lançou cerca de 40 discos que percorrem o samba, mas passam também pelo jazz, a música eletrônica e o hip hop. Já as letras falam sobre a luta da mulher preta na sociedade e abordam temas políticos como o racismo, a fome e a desigualdade social. Seu último álbum, por exemplo, é o “Planeta Fome”, e representa a “fome” que Elza tinha de lutar contra e por um país mais justo e com menos preconceito, assim como fez ao longo de sua vida.  

Elza Soares durante sua apresentação no Rock in Rio 2019 (créditos: reprodução/G1)

2- Emicida 

Um dos principais nomes do rap nacional, reconhecido pela capacidade de criar rimas de improviso, Emicida nasceu com o nome de Leandro Roque de Oliveira no dia 17 de agosto de 1985 no bairro de Jardim Cachoeira, na Zona Norte de São Paulo.  

Emicida na infância (créditos: reprodução/tenhomaisdiscosqueamigos)

O filho de Dona Jacira costumava participar de inúmeras batalhas de rima, ganhando onze vezes consecutivas a batalha de MC da Santa Cruz e por doze vezes a Rinha dos MCs. Mas foi somente em 2005 que o rapper ganhou sua primeira notoriedade, participando do Desafio das Batalhas. Em 2008, usou de seu talento para produzir a música “Triunfo”, que vendeu 700 cópias em apenas um mês.  

O seu nome artístico “Emicida” tem uma história curiosa por trás. Conhecido por vencer todas as batalhas de rima, a criação é uma junção das palavras “MC” e “homicida”, já que, segundo seus colegas, o artista “assassinava” todos os seus adversários.  

Emicida em batalha de rima (créditos: reprodução/perraps)

Em 2009, mais um passo foi dado em sua carreira, e o rapper lançou um mixtape com 25 faixas chamado “Pra quem já mordeu um cachorro por comida até que cheguei longe”, no mesmo ano em que foi indicado ao VMB (premiação da extinta MTV Brasil), no qual concorreu em “Melhor Grupo/Artista de Rap”, “Aposta MTV” e “Videoclipe do Ano”, com a canção “Triunfo”. 

Desde então, o sucesso fez parte da vida do jovem artista. Em 2011, participou do Rock in Rio, fazendo uma performance ao lado do grupo Cidade Negra e do sambista Martinho da Vila, e sua presença ficou marcada em outras três edições do festival, nas quais apresentou seus shows solo. 

Emicida em show com Cidade Negra e Martinho da Vila no Rock in Rio 2011 (créditos: reprodução/G1)

Com dois álbuns de estúdio, dois álbuns ao vivo, quatro extended plays (EPs) e três mixtapes, Emicida também já fez dois documentários. “Sobre Noiz” (2016) e “AmarElo:É Tudo Pra Ontem” (2020), sendo que este último mostra a produção de seu último álbum de estúdio com o mesmo nome e que fala sobre a retomada de espaços socioculturais que, originalmente, eram da população preta, usando o Theatro Municipal de São Paulo, onde foi gravado o show ao vivo, como um exemplo.  

3- Gilberto Gil 

Um dos principais nomes da MPB (Música Popular Brasileira) é Gilberto Gil. Nascido no dia 26 de junho de 1942, passou sua infância em Ituaçu, uma cidade no interior do estado da Bahia. Aos três anos de idade, já mostrava sua aptidão por música quando ouvia os sons da banda local, do sanfoneiro Cinézio e dos cantadores e violeiros. 

Gilberto Gil na infância (créditos: reprodução/jornaldaparaíba)

No início dos anos 1960, o jovem começou a estudar Administração na Universidade da Bahia e, durante o curso, promoveu e participou de eventos de vanguarda, como o Seminário de Música, promovido pelo professor e compositor Hans-Joachim Koellreutter, que foi quem apresentou ao jovem o primeiro contato com a música erudita contemporânea.

Aos dezoito anos, então, Gil começa a sua carreira com o grupo “Os Desafinados”, formado por ele com colegas. Sua participação consistia em alternar sons na safona e no vibrafone.  

Em 1966, após ser influenciado pelo movimento da Bossa Nova, começou a participar do programa “O Fino da Bossa”, apresentado por Elis Regina na TV Record. E foi durante essa temporada de festivais que o músico deixou a Bahia, se mudou para o Rio de Janeiro e participou de programas tanto na Record, quanto na TV Rio.  

Gilberto Gil no programa “O Fino da Bossa”, da TV Record (créditos: reprodução/vejasp)

A partir de 1968, quando o movimento da “Tropicália” foi consolidado, Gilberto Gil, junto de nomes como Caetano Veloso e Mutantes, passa a ganhar destaque em programas de televisão, como o programa do Chacrinha.  O mesmo ano, porém, foi um ano de virada na vida do artista. Como a Tropicália representava uma intervenção na cultura do país, com uma crítica à política nacional, o governo resolveu reprimir o movimento, prendendo Caetano Veloso e Gilberto Gil, em São Paulo no dia 13 de dezembro de 1968. Os artistas e líderes do movimento foram levados para o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro, e só foram soltos em fevereiro do ano seguinte. Depois da prisão, os dois se exilaram do país, passando por lugares como Lisboa e Paris, mas se fixando mesmo em Chelsea, em Londres.  

O período do exílio trouxe, pelo menos, uma maior visibilidade do público internacional, já que Gil, junto com outros músicos brasileiros participaram do Festival da Ilha de Wight, que reuniu cerca de 600 mil pessoas. O jornal The Guardian, um dos principais d Inglaterra, escreveu que “dois brasileiros anônimos”, eram a atração principal do segundo dia do evento, que durou cinco dias, e teve a participação de grandes artistas como The Who, The Doors, Joni Mitchell e Leonard Cohen, bem como a última apresentação de Jimi Hendrix. 

Gilberto Gil no exílio (créditos: reprodução/oglobo)

De volta ao Brasil em 1972, o músico já era conhecido nacionalmente e, principalmente, pelos trabalhos que produziu enquanto estava fora. Um deles, foi o single de seu terceiro álbum, a canção “Aquele Abraço”, que marcou toda uma geração. O primeiro trabalho de Gil de volta às suas terras foi “Expresso 2222”, e assim ele seguiu com “Refazenda” e “Doces Bárbaros”.  

Hoje, além de um dos mais importantes nomes da música brasileira, Gilberto Gil também é um símbolo da luta de resistência contra a opressão. Já foi ministro da Cultura do Brasil entre 2003 e 2008 e embaixador da ONU para agricultura e alimentação. Em novembro de 2021, foi eleito com 21 votos para integrar o grupo de imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL), reafirmando sua importância para a cultura nacional. 

4- Racionais MC’s 

Fundado em 1988 na cidade de São Paulo, os Racionais MC’s é um grupo formado pelos rappers formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay. O nome do projeto surgiu a partir de um disco do cantor Tim Maia, “Tim Maia Racional”, de 1975. A primeira gravação do grupo foi feita em 1988, quando o selo Zimbawe Records lançou a coletânea “Consciência Black, Vol. I”. Neste LP, apareceram os dois primeiros sucessos do grupo: “Pânico na Zona Sul” e “Tempos Difíceis”. Ambas as canções apareceriam dois anos depois em Holocausto Urbano, primeiro disco oficial do grupo e cujas letras denunciam o racismo e a miséria na periferia de São Paulo, marcada pela violência e pelo crime. 

Racionais MC’s nos anos 1980 (créditos: reprodução/brasildefato)

O disco fez com que os Racionais MC’s se tornassem conhecidos dentro da cena rap da periferia paulistana e da Grande São Paulo. Essa popularização fez com que os integrantes dos Racionais MC’s passassem a desenvolver trabalhos especialmente voltados para comunidades pobres, dentre os quais um projeto criado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, em que o conjunto realizou palestras em escolas sobre drogas, racismo, violência policial entre outros temas. 

Já em 1994, eles foram a atração principal de um festival de rap no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Porém, o evento terminou em confusão após os integrantes do grupo serem presos acusados de incitação à violência. E, vale lembrar, que as letras de algumas canções faziam duras críticas às ações policiais, principalmente dentro das periferias.  

Mano Brown deixando a delegacia após ser detido (créditos: reprodução/g1)

Com mais de quinze álbuns em sua carreira, os Racionais MC’s se tornaram referência para outros nomes que vieram a surgir na cena do rap, como Emicida, Criolo, Rael, Bk’, Planet Hemp e Djonga, que tomam conta de boa parte do mercado musical com letras que falam sobre racismo, violência policial e religião. Em 2022, o grupo foi a principal atração no palco Sunset do Rock in Rio, um dos maiores festivais de música do mundo, em um dia dedicado ao rap, mostrando para outras gerações que o legado do conjunto permanecerá por um longo tempo. 

5- Tim Maia 

É praticamente impossível não citar Tim Maia como uma das maiores vozes que o país já teve. O cantor nasceu em 1942 no Rio de Janeiro e cresceu fazendo música pelas ruas da Tijuca com seus colegas Jorge Ben Jor e Erasmo Carlos. Em 1957, ele fundou o grupo “The Sputniks”, no qual juntou seus colegas com Roberto Carlos, que também morava no bairro.  

“The Sputniks” ensaiando nos anos 1950 (créditos: reprodução/rádiopeãodobrasil)

Ao enfrentar dificuldades para promover o grupo, principalmente depois que Roberto Carlos os abandonou e seguiu em carreira solo, Tião, como era chamado por seus amigos, se mudou para os Estados Unidos depois que aproveitou a oportunidade de viajar para o país com um grupo de sua igreja. Lá, teve o primeiro contato com a soul music e foi influenciado por artistas da Motown, gravadora que lançou nomes como Stevie Wonder, Michael Jackson, Lionel Ritchie e The Supremes.  

Porém, a estadia de Tião nos EUA terminou quando ele foi preso e deportado do país por roubo e porte de drogas. Mas a sorte que lhe esperava no Brasil rendeu a gravação da música “Azul da Cor do Mar”, que tomou conta das rádios de todas as cidades quando esse era o principal veículo de comunicação da época.  

Tim Maia se encontrando com Erasmo Carlos antes de ir para os Estados Unidos (créditos: reprodução/noize)

No auge de sua carreira, já conhecido como Tim Maia, o cantor entrou em um retiro espiritual e isso foi o suficiente para adotar um novo estilo de vida. O grupo “Cultura Racional” se tratava de uma seita alienígena e fez com que o cantor gravasse o disco “Tim Maia Racional”, que foi bem recebido pela crítica e pelo público. Porém, todas as letras das canções eram baseadas, e até plagiadas, de livros que ele passou a ler dentro da seita. Porém, um ano depois, o cantor saiu do grupo e o acusou de manipulação e extorsão.  

Tim Maia durante sua conversão à seita “Cultura Racional” (créditos: reprodução/ahistóriadodisco)

Em 1998, enquanto gravava um show para a televisão no Teatro Municipal de Niterói, Tim sofreu um edema pulmonar e foi levado para o hospital. Dias depois, ele contraiu uma infecção e morreu no dia 15 de março do mesmo ano, causando comoção em todo o Brasil.  

Tim Maia em um de seus últimos shows (créditos: reprodução/GZH)

Tim sempre criticou a falta de oportunidades que a vida lhe oferecia. Enquanto todos seus antigos colegas faziam sucesso (a exemplo de Roberto Carlos com a Jovem Guarda), o cantor sofreu com a fome e a miséria ao tentar ganhar espaço no mercado musical brasileiro. Seu trabalho se tornou um legado para a história da MPB e seu nome está ao lado de artistas que fizeram história para a luta de resistência do movimento negro.  

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