Foto Capa: reprodução/G20Social
Por Monique RodSan
G20 Social: Quando o Brasil Redescobre a Força do Povo
Rio de Janeiro, entre os dias 14 e 16 de novembro de 2024, o coração do Boulevard Olímpico pulsou com vozes vindas de todas as partes do Brasil e do mundo. Entre armazéns históricos e a modernidade do Píer Mauá, o G20 Social trouxe algo que há muito estava esquecido nas reuniões de cúpula global: o olhar do povo. Neste encontro inédito, marcado por debates e reflexões sobre justiça social, sustentabilidade e igualdade, foram as histórias e lutas de vida que roubaram a cena, transformando o evento em um marco para a presidência brasileira no G20.
Entre as discussões mais emocionantes, a educação ganhou um protagonismo incontestável. Em um discurso marcado pela sinceridade e inspiração, o ex-deputado federal e atual Ministro da Secretaria Geral da Presidência Marcio Macedo relembrou sua trajetória. Filho de uma dona de casa e de um camponês, ele compartilhou como a educação pública o tirou do interior do agreste e o levou a uma posição de liderança política.
“A educação salvou minha vida. É o princípio para a libertação da alma e para ser independente”, afirmou. O ministro destacou o compromisso do governo em revitalizar programas educacionais, como o FIES e o ProUni, para garantir que jovens de comunidades vulneráveis tenham acesso a um futuro mais digno. Seu apelo foi direto: “acreditem na educação. Ela é a ferramenta que transforma histórias e constrói cidadania.”
Na esteira desse discurso, Olívia Santana, primeira deputada estadual preta da Bahia, ofereceu uma perspectiva ainda mais contundente. Feminista, antirracista e socialista, ela ressaltou como a educação não deve apenas instruir, mas também conscientizar, “é fundamental compreender quem você é, de onde veio, e o impacto do colonialismo e da escravidão nas vidas negras neste país”.
Olívia defendeu uma articulação entre as lutas antirracista, feminista e de classes, apontando que esse tripé é essencial para transformar a juventude em agente de mudanças. “Vivemos em um sistema brutalmente excludente. Precisamos subverter essa lógica para garantir a prevalência da vida e da justiça social”, declarou.
Enquanto a educação abriu o caminho para os debates, o esporte mostrou como pode ser um agente de transformação social. Em sua participação no G20 Social, Cafu, ex-capitão da seleção brasileira, reforçou o potencial das comunidades periféricas, que muitas vezes têm talento e sabedoria, mas carecem de oportunidades, “o que o governo tem que fazer é dar oportunidades para essas crianças, fazendo com que elas se integrem na sociedade, tendo direitos de igualdade”.
Ele também abordou a urgência de valorizar o futebol feminino, destacando que avanços estão em curso dentro da FIFA para garantir maior visibilidade ao esporte praticado por mulheres. Segundo ele, “isso requer tempo, mas estamos trabalhando para que elas tenham os mesmos direitos e oportunidades que os homens”.
Além das histórias individuais, o evento foi palco de decisões políticas importantes. Pela primeira vez, a economia popular e solidária foi incluída na Declaração Final entregue ao presidente Lula, destacada como um eixo central para combater a fome e as desigualdades.
A aprovação do requerimento de urgência para a votação do Projeto de Lei da Economia Solidária, parado há 12 anos no Congresso, foi celebrada como uma vitória histórica. Essa proposta reforça a inclusão e a cooperação como bases de um modelo econômico mais justo.
Em tempos de múltiplas telas e informações consumidas em segundos, ser um influenciador digital não é mais apenas sobre carisma ou alcance, mas sobre entender como o jogo da criação de conteúdo e do marketing de influência muda constantemente. Foi isso que Vítor diCastro, ator, apresentador e criador do canal Deboche Astral, deixou claro em uma conversa honesta e cheia de insights sobre o cenário atual e futuro.
DiCastro começou abordando a evolução na relação entre marcas e criadores de conteúdo. “Hoje, muito mais gente cria conteúdo, então a marca começa a se perguntar quem ela mesma quer contratar”, refletiu. Com mais criadores no mercado, as empresas estão redefinindo seus critérios de parceria. Algumas buscam números, outras se interessam pela comunidade do influenciador, enquanto outras exploram a criatividade do criador para produzir algo único.
Há também, como ele mencionou, aquelas marcas que querem “a alma, o corpo e o sangue” dos influenciadores, mas ainda tentam pagar o mínimo possível. Nesse contexto, o influenciador não é apenas um rosto, mas, muitas vezes, um braço criativo que entrega mais do que visibilidade, e precisa se posicionar de forma estratégica.
Aos 33 anos, Aline Sousa, catadora desde os 14 anos, mãe de 7 filhos e estudante de Direito, tornou-se símbolo da luta pela valorização dos profissionais de reciclagem. Representante do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e dirigente da CentCoop-DF, Aline destacou-se ao entregar a faixa presidencial a Luiz Inácio Lula da Silva na posse de 2023, um gesto que trouxe visibilidade a uma classe trabalhadora essencial, mas frequentemente invisibilizada.
Aline ressaltou a importância da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que estabelece a responsabilidade compartilhada por empresas no gerenciamento de resíduos. Segundo ela, programas de logística reversa têm gerado diálogo com cooperativas e associações de catadores, possibilitando avanços na remuneração pelo serviço essencial que prestam à sociedade. “As fábricas e empresas que geram resíduos devem pagar os catadores pelo serviço de seleção e reintegração de materiais no mercado”, explicou.
No entanto, ela alerta para os desafios enfrentados, como a baixa reciclabilidade de certos materiais, especialmente plásticos, que dificultam a reintegração no mercado, prejudicando a sustentabilidade do trabalho dos catadores.
Aline destacou a importância de iniciativas educacionais para combater o analfabetismo entre catadores. Ela reforçou que a educação estruturada é uma ferramenta crucial para a emancipação das famílias envolvidas no trabalho de reciclagem, abrindo novas perspectivas e oportunidades. “A educação enraizada no âmbito familiar é essencial para que o país mude e se transforme”, concluiu.
O G20 Social introduziu um conceito revolucionário: uma “terceira trilha” no fórum das maiores economias do mundo, ao lado das tradicionais trilhas política e financeira. Em vez de bandeiras nacionais, o armazém foi preenchido por bandeiras de movimentos populares, ecoando demandas por justiça social, combate à fome, sustentabilidade e inclusão.
O presidente Lula, um ex-sindicalista que construiu sua trajetória política ao lado de movimentos populares, destacou que “a economia e a política internacional não são monopólio de especialistas ou burocratas. Elas fazem parte do dia a dia de cada um de nós”.
Essa perspectiva permeou todo o evento, reforçando que os temas discutidos nos gabinetes de poder têm impacto direto na vida cotidiana de milhões de pessoas.
O G20 Social encerrou suas atividades no Rio de Janeiro com um feito histórico: a entrega da Declaração Final ao presidente Lula. O documento, fruto de debates intensos e atividades autogestionadas que mobilizaram mais de 47 mil pessoas, não é apenas um relatório de intenções. Ele representa um grito coletivo por mudanças estruturais e propõe um novo caminho para enfrentar os desafios do século XXI.
Dividida em três pilares fundamentais, a Declaração aborda questões cruciais que há muito aguardam respostas.
1. Combate à Fome, à Pobreza e às Desigualdades
Em um mundo onde a fome ainda afeta milhões, o documento propõe a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Este fundo específico seria um passo concreto para erradicar a fome, promovendo segurança alimentar e garantindo acesso igualitário à terra e à água.
A democratização da produção de alimentos surge como eixo central. Práticas agroecológicas substituem modelos exploratórios, combatendo a mercantilização de recursos naturais e valorizando métodos sustentáveis.
Além disso, o trabalho digno e a economia solidária ganham protagonismo. A formalização do mercado de trabalho e o fortalecimento de cooperativas e iniciativas populares não são apenas metas econômicas, mas também sociais. Elas prometem dignidade e inclusão para comunidades historicamente marginalizadas.
2. Sustentabilidade e Mudanças Climáticas
A segunda parte da Declaração foca no equilíbrio entre proteção ambiental e inclusão social. Entre as propostas, destaca-se a criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre, que preservaria ecossistemas tropicais e garantiria a inclusão das comunidades locais.
Outro ponto crucial é a transição justa para economias de baixo carbono. A ideia não é apenas reduzir emissões de gases de efeito estufa, mas fazê-lo de maneira que enfrente o racismo ambiental e a pobreza energética. Esse modelo econômico sustentável busca incluir trabalhadores e comunidades vulneráveis, assegurando que ninguém fique para trás na luta contra as mudanças climáticas.
3. Reforma da Governança Global
Talvez o aspecto mais ambicioso da Declaração esteja na proposta de reformulação das instituições multilaterais. O documento destaca a urgência de reestruturar a ONU e outros organismos globais para ampliar a representatividade dos países do Sul Global e garantir que a sociedade civil tenha voz nos processos decisórios.
A promoção de um multilateralismo inclusivo é mais do que um ideal; é uma necessidade para enfrentar as desigualdades globais. O sistema internacional precisa ser reconstruído para priorizar a cooperação entre nações e assegurar justiça social em uma escala global.
O G20 Social não se limitou a listar problemas. Ele trouxe soluções práticas e convidou os líderes mundiais a assumirem compromissos ambiciosos. A mensagem é clara: enfrentar as crises globais requer a inclusão das vozes que sentem diariamente os impactos das desigualdades e das mudanças climáticas.
Este marco não apenas projeta o G20 Social como um espaço legítimo de transformação global, mas também oferece um modelo a ser seguido em cúpulas futuras. É um lembrete de que a sociedade civil não é apenas um grupo de espectadores, mas líderes de mudanças significativas.
A Declaração Final vai além das palavras. É um convite à ação, uma promessa de que, com determinação e solidariedade, podemos construir um mundo mais justo, sustentável e inclusivo. A pergunta que fica agora é: os líderes globais estão prontos para ouvir o povo?
Fátima Silva, da Associação Pamen Cheifa, sintetizou o espírito do evento ao afirmar, “não fale de mim sem mim. Mudar o mundo tem que ser com as pessoas, da base para cima”. Já Silvia Jerônimo, do Movimento Sem Terra Leste 1, reforçou, “o fim da fome é possível quando há mobilização e participação social”.
Essas declarações capturam a essência do G20 Social: a centralidade do povo nas decisões globais. O evento reuniu mais de 47 mil pessoas, consolidando um legado que transcende fronteiras. A África do Sul, próxima anfitriã do G20, já assumiu o compromisso de continuar essa jornada. Segundo Ronald Lamola, ministro sul-africano de Relações Exteriores, “a abordagem brasileira elevou o patamar de uma presidência do G20.”
Durante o evento, o Ministério de Empreendedorismo, Microempresa e Pequena Empresa (MEMP) destacou como as micro e pequenas empresas (MPEs) são cruciais para alavancar o desenvolvimento sustentável e a preservação da biodiversidade. O painel “Micro e Pequenas Empresas, Cooperativismo e Bioeconomia: o Caminho para a Valorização da Sociobiodiversidade”, realizado no Museu do Amanhã, enfatizou:
- Sustentabilidade como estratégia de negócio: Pequenos negócios podem liderar práticas que preservem os recursos naturais enquanto geram valor econômico.
- Incentivos e capacitação: Apoio governamental e formação empreendedora são essenciais para incorporar modelos sustentáveis.
- Colaboração como motor de transformação: Parcerias entre cooperativas e empresas amplificam impactos ambientais positivos e promovem inclusão social.
Marcelo Strama, do MEMP, destacou que as MPEs são agentes de mudança, conectando a conservação ambiental ao desenvolvimento local.
A inovação digital também foi protagonista. A plataforma G20 Social Participativo permitiu que cidadãos e organizações de todo o mundo contribuíssem para a formulação de políticas públicas. Por meio de enquetes, envio de propostas e organização de atividades autogestionadas, a iniciativa trouxe acessibilidade e pluralidade ao debate global.
Com conteúdos em vários idiomas e ferramentas inclusivas, a plataforma reafirma o papel do Brasil como líder de um fórum participativo e equitativo.
O G20 Social demonstrou que a união entre governos, sociedade civil e pequenos empreendimentos é essencial para enfrentar os desafios globais. Ele não será lembrado apenas pelos documentos elaborados, mas pelas histórias que emocionaram e pelos passos dados em direção a uma governança mais inclusiva.
O Brasil mostrou ao mundo que é possível colocar o povo no centro das discussões, transformando espectadores em protagonistas. Como destacou o presidente Lula, “este é o momento de agir com determinação e solidariedade”.
O exemplo está lançado. O legado do G20 Social é um convite para que o futuro da governança global seja construído por todos e para todos. Afinal, um mundo mais justo e sustentável começa quando os líderes ouvem as vozes das ruas, das comunidades e das periferias. O Brasil demonstrou que esse caminho não só é possível, como necessário.

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