191 Anos de Imprensa Preta: Um Legado de Resistência e Transformação

Foto capa: Dall-E

Por Monique RodSan 

A imprensa negra brasileira comemorou, em 14 de setembro de 2024, 191 anos de existência, celebrando um legado que transcende a simples comunicação. Desde a publicação de O Homem de Cor, em 1833, no Rio de Janeiro, essa imprensa não apenas narrou histórias, mas assumiu a responsabilidade de questionar o Estado, denunciar injustiças e exigir inclusão social. Trata-se de uma trajetória marcada por resistência, construção de identidades e a luta incansável pela dignidade da população negra. 

Ao longo dessa história, surgiram outros veículos, como O Brasileiro Pardo e O Cabrito, ampliando a rede de comunicação voltada para a população negra. Contudo, a articulação da voz preta começou muito antes, nos quilombos do século XVI, onde a oralidade e a coletividade eram ferramentas de luta estratégica. Esses espaços resistiram ao silenciamento imposto pelas estruturas coloniais, mostrando que a comunicação sempre foi central na busca pela liberdade. 

Em 1833, O Homem de Cor destacou-se ao denunciar a prisão injusta de Maurício José de Lafuente, acusado de vadiagem e porte ilegal de arma. Ao questionar as arbitrariedades das autoridades, o periódico desnudava o racismo estrutural que ainda persiste. Dados recentes do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que 68% das pessoas encarceradas no Brasil são negras, evidenciando a continuidade de práticas de criminalização racial. Assim, a imprensa negra mantém seu papel essencial de resistência, ligando passado e presente. 

Segundo o Estatuto da Igualdade Racial, o termo “negro” abrange indivíduos pretos e pardos, reconhecendo-os como parte de uma mesma categoria afrodescendente. O termo “pardo” remonta ao período colonial, aparecendo nas primeiras cartas enviadas pelos portugueses em 1500, e originalmente descrevia a miscigenação entre indígenas, africanos e europeus. 

A história dos comunicadores negros é uma jornada de superação e inovação. Desde o século XIX, figuras como José do Patrocínio usaram a imprensa como arma política para desafiar a escravidão e promover os direitos dos negros. Com jornais como a Gazeta da Tarde e a Revista Ilustrada, Patrocínio provou que a comunicação pode ser uma ferramenta de educação e resistência. 

No século XX, novos nomes ampliaram a visibilidade da população negra na mídia. Glória Maria foi pioneira ao surgir em cores no Jornal Nacional, levando o Brasil a destinos internacionais e narrando histórias que conectavam culturas e contextos globais. Sua trajetória, marcada por entrevistas com personalidades como Michael Jackson e Madonna, não apenas destacou seu profissionalismo, mas inspirou gerações a ocupar espaços midiáticos com autenticidade. 

Outro exemplo marcante é Abdias do Nascimento, que, com o Teatro Experimental do Negro, ofereceu protagonismo e valorização às narrativas afro-brasileiras. Ao lado dele, Carlos Assumpção transformou a poesia e a crônica jornalística em ferramentas para denunciar o racismo cotidiano, consolidando-se como um ícone de resistência. 

Apesar dos avanços, a representatividade negra enfrenta desafios. Barreiras estruturais continuam limitando a presença de profissionais negros em cargos de liderança e na mídia tradicional. No entanto, essas dificuldades apenas reforçam a importância da luta por políticas inclusivas e pela ampliação das vozes negras nos espaços midiáticos. 

A comunicação negra contemporânea transcende a denúncia; ela reconstrói narrativas, cria pontes e dá visibilidade a histórias antes invisibilizadas. A pluralidade que comunicadores negros trazem para o jornalismo enriquece as narrativas e redefine a maneira como entendemos a sociedade. Cada repórter, escritor, poeta ou ator negro que ocupa um espaço na mídia contribui para um jornalismo mais completo e humano. 

A trajetória da imprensa negra demonstra que a comunicação não é apenas um meio de informar, mas também de resistir e transformar. Nomes como José do Patrocínio, Glória Maria, Abdias do Nascimento e Carlos Assumpção são lembranças vivas de que as vozes negras são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa. 

Hoje, a imprensa negra continua sua missão de amplificar vozes, criar espaços e desafiar narrativas excludentes. Ao refletir sobre os 191 anos desde o surgimento de O Homem de Cor, é impossível ignorar a força e a persistência desse legado. Assim como o periódico de 1833 declarou que “o homem de cor não guardará mudo silêncio”, a imprensa negra de hoje reafirma sua voz, resistindo e inspirando as próximas gerações. 

Que a luta continue, e que a história siga sendo contada por quem jamais se cala diante das adversidades. 

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