Foto capa: Reprodução/Diário do Rio
Por Juliana Albuquerque
Quantos meros moradores de comunidade, pretos, trabalhadores e pais de família você conhece que foram admirados a ponto de mover as pessoas que o cercaram, a trocarem o nome de uma praça, em uma cidade grande, como o Rio? Os residentes de Botafogo que experienciam o mínimo da história local conhecem ao menos um.
Digno de ter sido um personagem de folhetim escrito por autores renomados, ele tinha um nome notável, sorriso marcante e até um bordão: É só sucesso!
Tião Belo, de registro, Sebastião Carlos Belo, marido de Eliete, com quem oficializou sua união após 30 anos e três herdeiros juntos: Renato, Renan e Ellen. Fez jus ao seu bordão.
Cria do Morro do Santa Marta, frequentador assíduo dos sambas do PPG, favela do bairro vizinho, foi lá que ele conheceu sua musa. Com diversos amigos em comum, ele fazia suas investidas enviando recados através dessas amizades. Resistente, Eliete encontrava-se com ele nos eventos, não só no PPG, onde ela nasceu e foi criada, mas também na quadra da escola de samba São Clemente.
Porém, foi em Vila Isabel, na antiga quadra da escola de mesmo nome e que hoje abriga o Shopping Iguatemi, no ano de 1987, que a história de amizade se transformou. Como já havia mencionado, a vida de Tião carrega um tom novelesco, e não haveria de ser diferente na sua história de amor. Eliete, que não estava acostumada a beber, deu uns goles na cerveja quente, segundo ela, de Tião e, simplesmente, desmaiou! Socorrida por ele e pela irmã dela, foi levada para fora da quadra, tomou um ar, e voltou ao samba, afinal, conforme suas próprias palavras: “ela não era besta de ir embora”!
Nasceu o romance. O namoro durou um ano, até que Eliete, no dia de seu aniversário, saiu da comunidade onde tinha nascido e vivido por seus 24 anos, e se mudou para o Santa Marta para morar com Tião.
Capítulo novo, mas como toda boa novela, vieram também os perrengues. Digamos que “privacidade” não foi a palavra que marcou esse início. Morando em uma grande casa deixada pelos pais de Tião, além dos dois, habitavam o lar a irmã dele, Fátima Belo, o irmão Quito e sua cunhada, Sônia, esposa de Quito. Posteriormente, ainda morariam as primeiras crias do grupo, o primogênito de Eliete e Tião, Renato, e Pablo, filho de Fátima.
Certo dia, estavam em casa apenas as mulheres e as crianças quando houve uma batida policial. Tinham flagrantes na casa. Pertenciam a Quito. Tião, estava chegando em casa, e para que não levassem as mulheres presas, assumiu a culpa. A viúva relembra que a polícia queria levar Tião Belo para o pico do morro. Já muito considerado pelos moradores, formou-se um “auê”, como ela definiu. Tomados pela certeza de que, se fosse levado para cima, seria morto, os populares exigiram que a polícia descesse com ele para a 10ª DP. E assim foi feito. Encaminhado para delegacia de Botafogo, os membros da favela acompanharam Tião. Chegando lá, o Delegado Fontenelle afirmou que procuravam Quito, o irmão dele. Ainda assim, Tião passou 5 dias na prisão, com a cela aberta, até que fosse oficialmente liberado. Durante sua estadia na delegacia, a comunidade fervorosa, se mobilizava e fazia um abaixo assinado contra a prisão errônea. Mesmo em liberdade, ele foi inspecionado durante seis meses por um agente da polícia que o seguia por onde ele fosse, até que finalmente, Quito foi preso.
Passado o drama, e como já havia sido dito pela São Clemente em 1985 “Quem casa quer casa”, Tião e Eliete, enfim, se mudaram, ainda dentro do Santa Marta, para o lar deles e de seus filhos.
E já que falamos da São Clemente, é bom que saibam que Tião esteve na escola desde seus 12 anos de idade, quando era um pequeno ritmista. E é aí que começa o trabalho social dele no resgate de jovens do Santa Marta. Crescendo dentro da escola, ele passou de ritmista a diretor, e de diretor a mestre de bateria.
Belo transformou a comunidade através de ações sociais, arte e cultura e acreditava na educação através do samba.
Como mestre, Tião buscava jovens e crianças, bancava passagem e lanche do próprio bolso, desviava dos caminhos da criminalidade, levando-os para o mundo do samba, formando novos ritmistas da Escolinha de Percussão da São Clemente, e inserindo-os em diversos blocos carnavalescos de Botafogo.
Em 1992, com a fundação da Mocidade Unida do Santa Marta, escola da comunidade, Tião deu continuidade aos projetos de ensino musical também na quadra da nova escola de samba, além do Spanta Neném, que a princípio era apenas um bloco e se tornou uma escola de arte, e no “Batuque Digital”, que diferente dos outros, não era um projeto voltado à aulas, mas sim à realização de shows.
Falar de Tião no passado soa estranho. Sim. Ele morreu. Como haveria de ser, seu velório foi cinematográfico. Com um cortejo de mais de milhares de pessoas (segundo estima sua família) e ritmado por bateria de escola de samba, um enorme tapete humano acompanhou seu corpo no trajeto do cemitério do mesmo bairro em que fez história. Os que estiveram presentes ainda comentam sobre o misto de emoções neste “evento”. Não se sabia se reservava no no peito espaço para a tristeza da despedida ou para a alegria do tamanho do amor e legado que se esbanjava naquele momento.
Antes de morrer, mas já em tratamento contra o câncer, Tião teve o privilégio de assistir ao desfile da escola de samba fundada por ele com enredo em sua homenagem: Sextou #É só sucesso, que conta a história da criação do homem por Deus no sexto dia, quando o “Malandro Belo” assume o samba.
Em um evento celebrado no Polo de Inclusão Social Padre Velloso, local onde trabalhou durante toda a vida, e que fica na praça, Tião Belo foi eternizado, assim como seus feitos e memória. Com a presença de moradores, em meio a apresentações de blocos da zona sul do qual fez parte e da Mocidade Unida do Santa Marta, no dia 1º de Julho de 2024, a antiga Praça Corumbá, que dá acesso ao Morro Santa Marta, através do Decreto Rio Nº 54.749, sancionado pelo prefeito Eduardo Paes, passou a ter um novo nome: Praça Tião Belo
