Foto capa: Reprodução/Marco Terranova/Riotur
Por Bernardo Magno
Após homenagear João Cândido, o almirante negro, em 2024, o carnavalesco Jack Vasconcelos decidiu seguir fazendo enredos em homenagem para personagens desconhecidos pela população e por isso homenageou Xica Manicongo, a primeira mulher trans que se tem conhecimento no Brasil com o enredo ‘‘Quem tem medo de Xica Manicongo”.
Jack escolheu esse enredo pois, segundo pesquisa realizado pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo pelo décimo sexto ano seguido e desde 2008 segue sendo o líder. O papel do enredo é dar visibilidade pelo apagamento sistemático da memória negra e LGBTQIAPN+ e o silenciamento de várias ‘’Xicas’’ espalhadas pelo país. Francisca Manicongo era uma sacerdotisa quimbanda em sua terra natal, o Reino do Congo, onde era totalmente respeitada e inserida na sociedade congolesa.
O desfile da Tuiuti começou na comissão de frente coreografada por Claudia Motta e Edifranc Alves representava o passado e o que se espera do futuro da vida das pessoas trans. No primeiro momento, a comissão mostra Xica com seu Ngangas, antepassados cultuados no quimbanda, acompanhado um grupo de travestis que tentam sobreviver até que são pegos por perseguidores Xica é forçada a vestir roupas masculinas tendo a sua identidade apagada. Já no segundo momento, é visto o futuro, que a Paraíso do Tuiuti quer para as travestis e transexuais, um lugar além da prostituição, a moda e a maquiagem, como a psicologia, o magistério, a advocacia e até a Presidência da República, essa última representada pela deputada federal Érika Hilton.

O casal de mestre sala e porta bandeira, Dandara Ventapane e Raphael Rodrigues, representaram os ki-bandos curandeiros, sacerdotes feiticeiros que se comunicavam com o além, detentores de poderes xamânicos com os quais curavam. Cultuavam a conexão espiritual com os antepassados e honravam a memória dos que viveram na terra em gerações anteriores. O casal levou um 9.9, e três 10.
O primeiro setor do desfile representou a espiritualidade de Xica com o Abre-Alas ‘’MBANDA MWENE KONGO’’ com o Exu maioral em duas cabeças, carregando a força masculina e feminina, enquanto o segundo chassi representava Xica sendo sacerdotisa quimbanda. Ao chegar no Brasil escravizada, Xica é levada para Salvador e comprada por um sapateiro como homem, com o nome de Francisco Manicongo, por isso foi forçada a usar roupas masculinas pelo sapateiro.
Mestre Marcão comandou a bateria Super Som pelo quarto carnaval seguido, garantindo três notas 10 e um 9.9, que foi descartado, seus ritmistas vieram fantasiados de Curupira, pois Xica ao fugir de Salvador, onde sua identidade não era respeitada, foi resgatada por tibiras e pelas Çacoaimbeguiras, povos originários da região. Lá Manicongo foi respeitada e introduzida à ancestralidade indígena e conheceu o Curupira.

A escola teve bastante dificuldade com a evolução, passando bastante lenta e com uma comissão de frente que levava 7 minutos para se apresentar nos módulos. Uma explicação clara desse problema é que aos 55 minutos de desfile, o Paraíso do Tuiuti tinha ainda três alas e um carro para entrar na avenida. Só que pelo regulamento, o tempo de desfile é de no mínimo de 70 minutos e no máximo 80 minutos. Fazendo com que no final a escola corresse para não estourasse o tempo permitido, algo que por si só já seria descontado nas notas, pois os jurados avaliam, no quesito evolução, se a escola mantém o andamento do passo ao longo da avenida. Porém a escola ‘’apenas’’ foi penalizada com dois 9.8, e 9.9 e um 10.
A partir do quinto setor do desfile, Jack Vasconcelos vai para o legado de Xica no Brasil de hoje e do futuro com a linguagem Pajubá amplamente usada nas ruas pela população LGBTQIAPN+, como as palavras ‘’ Aqué“ que significa dinheiro,“mona de Éke” para representar as mulheres lésbicas e maços de ‘’ xana’’ para falar do cigarro. Fechou com a última alegoria “Traviarcado’, sendo esse um termo criado pela transpóloga, dramaturga e atriz Renata Carvalho, com isso a escola imagina que no futuro o mundo não será mais controlado pelo “patriarcado” como nos dias de hoje.
