Foto capa: Reprodução/TV Integração
Por Laryssa Leite
No retrato mais famoso, ele aparece com longos cabelos e barba espessa, quase como um Cristo brasileiro. Mas essa imagem icônica não conta com registros históricos confiáveis que sustentem sua veracidade. É fruto de uma construção – e talvez aí esteja o ponto central: Tiradentes não foi apenas um personagem histórico. Ele foi transformado num símbolo, e esse símbolo foi manipulado conforme os ventos da política e da cultura exigiram.

Créditos: Arquivo histórico
Nascido Joaquim José da Silva Xavier, em 1746, Tiradentes era dentista amador, tropeiro, militar e ativista político. Ganhou destaque na Inconfidência Mineira, movimento que, inspirado pelo Iluminismo e pela independência dos Estados Unidos, tentou instaurar uma república independente em Minas Gerais, rompendo com a exploração da Coroa portuguesa.
Entre os inconfidentes, foi o mais radical – defendia abertamente a independência total e a república, enquanto muitos colegas, pertencentes à elite, tinham interesses mais econômicos do que ideológicos. Quando a conspiração foi descoberta, a balança da justiça pendeu para o lado da conveniência: os aristocratas foram poupados, e Tiradentes, o mais idealista e o menos influente, foi executado como exemplo.

Créditos: Divulgação/Blog do @miguel.arcanjo
Foi esquecido por décadas. Mas, em 1889, com a Proclamação da República, o Brasil precisava de heróis fundadores. A monarquia caía, e o novo regime precisava de legitimidade. Tiradentes foi resgatado da poeira dos arquivos e vestido com a imagem de um mártir – justo ele, que defendia uma república, agora era símbolo do novo regime.
Desde então, sua figura foi apropriada e reapropriada por diferentes lados políticos. Durante a ditadura militar, foi exaltado como patriota exemplar, militar devoto, que morreu pela pátria. Escolas e desfiles o tratavam como símbolo da ordem e do civismo. Já movimentos de esquerda o tomaram como um símbolo da luta contra a opressão, herói do povo, vítima de um sistema elitista e colonial.
Essa disputa narrativa revela algo maior: Tiradentes é um espelho da política brasileira. Sua imagem muda conforme os interesses. Ele pode ser mártir ou militar, revolucionário ou patriota, dependendo do olhar de quem o invoca.
Hoje, sua memória vive em feriados, nomes de cidades, estátuas, livros e quadros. Na próxima segunda-feira, 21 de abril, o Brasil celebra o feriado de Tiradentes, data de sua morte em 1792 e símbolo oficial da luta pela independência e pela república. Mas o homem real – falido, ousado, incômodo – se perde na neblina da história. Mais do que lembrar Tiradentes, talvez seja hora de perguntar: quem está contando sua história – e por quê?
