Foto Capa: Luísa Bacelar
Por Luísa Bacelar
O último dia do Rio2C 2025, o maior encontro de conexão, criatividade e inovação da América Latina, foi marcado por palestras repletas de conteúdo e aprendizado no palco Story Village. A terceira palestra, intitulada “A arte de criar vilões”, reuniu as atrizes e diretoras Barbara Paz e Bianca Comparato, além do escritor e roteirista Raphael Montes. Durante a conversa, Raphael falou sobre sua novela Beleza Fatal e detalhou o processo de criação da vilã Lola, interpretada por Camila Pitanga, que viralizou nas redes sociais por seu estilo e pelas frases marcantes da personagem. Barbara Paz também comentou sobre a construção de duas de suas personagens, Edith e Úrsula, e como foi a recepção do público.
Conceito de vilania
A roda de conversa foi moldada na pergunta feita por Bianca Comparato aos artistas, no qual abordou o conceito de vilania. Para Raphael Montes, mocinhos e vilões são os mesmos personagens e a diferença principal entre eles é até onde estão dispostos a ir para alcançar seus objetivos. Enquanto o mocinho é construído em determinados limites e ética, o vilão ultrapassa qualquer limite, desafiando a moral e levando o público a refletir sobre a própria ética. Já para Barbara Paz, um bom vilão precisa ser amado. É fundamental que haja empatia e compreensão em sua construção.

Ainda sobre a construção dos personagens, para Barbara, é essencial o diálogo entre o ator e o diretor, “isso é muito raro, ainda mais em televisão. E a gente sente falta disso. Quando estamos construindo um personagem, é muito importante esse diálogo, porque está na cabeça dele (diretor). Em muitas das vezes, a gente não consegue entender, então a gente cria o personagem no nosso imaginário”, disse. Por fim, para Bianca Comparato, as figuras de “mocinha” e “vilã” se tornaram conceitos cada vez mais complexos e fluidos, quase inexistentes. Para ela, os papeis funcionam como dois “polos” que transitam entre si, sem grandes diferenças.
A “Era de ouro dos documentários”
Além da relação entre vilões e mocinhos, a conversa também abordou temas como documentários e o universo do true crime, onde vilões da vida real são comparados a monstros. Questionada sobre seu novo trabalho com Willem Dafoe, o filme Cuddle, Barbara comentou brevemente sobre a produção e definiu sua estreia na direção de um longa de ficção como um “grande desafio”. A atriz, que tem experiência com documentários, destacou como as fronteiras entre ficção e realidade estão cada vez mais tênues, “tudo começa do real. O documentário está vivendo a era de ouro documental. O público está se aproximando cada vez mais do real. Muitos documentários estão virando histórias, filmes”. A atriz também afirmou que seu interesse maior é retratar o ser humano e tudo que vem da sua essência.
O true crime cada vez mais pesquisado
Para encerrar a palestra, o tema em destaque foi o true crime e a maneira como a sociedade tem comparado seres humanos a monstros. Com direito a divulgação da série Tremembé, prevista para estrear ainda este ano na Prime Video, Bianca Comparato falou sobre a sinopse da produção e de seu papel no projeto. A trama se passa na Penitenciária Dr. José Augusto Salgado, conhecida como Tremembé II, e aborda casos como Suzane Von Richthofen, Elize Mastunaga e Anna Carolina Jatobá. Bianca interpretará Anna Carolina, condenada pelo assassinato da enteada Isabella Nardoni em 2008, e definiu como uma grande responsabilidade dar vida a uma mulher real, na ficção. “Foi uma construção muito humana. Tentei não julgá-la e trabalhar o máximo de humanidade dessa personagem e dessa troca”, disse.
Raphael Montes falou sobre sua relação com o universo do true crime e revelou que, apesar de escrever livros focados em suspense e crimes, é bastante medroso e não gosta de histórias baseadas em crimes reais. Também comentou que procura evitar a associação entre seres humanos e monstros. Na tradição do cinema, o monstro representa tudo aquilo que não é humano — e é aí que está a magia das histórias criminais: a consciência de que, por mais chocante que algum crime possa ser, tudo foi feito por um ser humano.
Ao se despedir, Bianca Comparato leu uma frase de Nelson Rodrigues que resumiu toda a roda de conversa entre os artistas: “A ficção, para ser purificadora, tem que ser atroz. O personagem é vil para que não sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de cada um de nós. Para salvar a plateia, é preciso encher o palco de assassinos, adúlteros, de insanos e, em suma, de uma salada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los”.
