Artigo: Feminicídio no Brasil: a necessidade de uma lei específica diante da cultura patriarcal e da violência de gênero 

Foto Capa: reprodução/Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul

Por Thaís Guedes

O feminicídio no Brasil não é apenas uma tragédia individual, mas um fenômeno social de raízes profundas. Sua persistência reflete uma estrutura cultural patriarcal em que a mulher, historicamente, foi tratada como propriedade do homem. Essa herança machista, alimentada ao longo dos séculos, ainda se manifesta no cotidiano de muitas relações e contribui para uma escalada alarmante de violência contra mulheres. 
 
Na sociedade brasileira, não é raro que homens considerem legítimo exercer controle sobre as decisões e a liberdade das suas companheiras. Quando essa autoridade simbólica é confrontada, especialmente no rompimento de relacionamentos, o resultado pode ser extremo: o assassinato da mulher. Esse tipo de crime revela não apenas a brutalidade do agressor, mas também a falência de estruturas sociais e jurídicas que, durante muito tempo, silenciaram ou minimizaram a violência doméstica. 
 
Foi diante dessa realidade que o Estado brasileiro reconheceu a necessidade de uma legislação específica para combater a violência de gênero. A Lei nº 13.104/2015, que tipifica o feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio e o inclui no rol dos crimes hediondos, não representa um privilégio legal, mas uma resposta à desigualdade estrutural. Ela surge do entendimento de que, em uma sociedade desigual, tratar todos de forma igual é, na prática, perpetuar a injustiça. 
 
Os dados reforçam a urgência dessa legislação. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Datafolha, em 2024 foram registrados 1.450 casos de feminicídio no país, o que representa uma mulher assassinada a cada 17 horas. A maioria dessas mortes aconteceu dentro de casa (59%), e mais de 80% das vítimas não haviam registrado denúncia prévia, o que demonstra não apenas o medo, mas a falta de canais acessíveis e acolhedores para as mulheres. 
 
Do ponto de vista histórico, o direito brasileiro demorou séculos para reconhecer a autonomia da mulher. Somente em 2002 o Código Civil deixou de tratar o marido como “chefe da sociedade conjugal”, e apenas em 2006, com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), passou a prever mecanismos eficazes de proteção. Ainda assim, a violência persistiu. A tipificação do feminicídio foi um passo necessário para reconhecer que há um padrão específico de homicídios de mulheres motivado por gênero, o que exige sanção exemplar e políticas públicas articuladas. 
 
A crítica de que a Lei do Feminicídio cria uma distinção indesejável entre vítimas de homicídio desconsidera a realidade: mulheres são mortas porque são mulheres, dentro de uma cultura que ainda naturaliza a submissão feminina. Proteger essas vítimas com leis específicas não fere o princípio da igualdade; pelo contrário, é uma forma de justiça corretiva, que busca reparar desigualdades históricas. 
 
Portanto, mais do que uma medida penal, a Lei do Feminicídio é um instrumento simbólico e pedagógico: ela afirma que a vida das mulheres importa e que o Estado está disposto a agir para interromper o ciclo de violência. No entanto, o combate ao feminicídio também exige ações em outras frentes — educação para a equidade de gênero, políticas públicas de acolhimento, e investimento em mecanismos de denúncia e proteção. 
 
Não se trata apenas de punir, mas de transformar uma cultura enraizada na dominação masculina. A existência da Lei do Feminicídio é prova de que o direito pode — e deve — se comprometer com a mudança social.

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