Setembro Amarelo: Como a falta de acesso a terapia leva pessoas a desabafarem com inteligência artificial?  

Foto Capa: reprodução/Shutterstock 

Por Mariana Silvestre  

Setembro Amarelo é uma campanha de prevenção ao suicídio, um momento reservado para refletir sobre a situação de saúde mental da sociedade.  

Saúde mental depende de vários pilares: condições dignas de trabalho, moradia segura, políticas públicas, lazer, segurança, educação e, principalmente, acesso a tratamento psiquiátrico e psicológico, algo que é escasso no Brasil. 

Somente 5,1% dos brasileiros fazem psicoterapia, e cerca de 19% já se consultaram com psicólogos, mas a maioria não passou da quinta sessão, segundo pesquisa feita pelo Instituto Cactos (2023).  

Com a popularização das inteligências artificiais, muitas pessoas que não têm acesso a terapia encontram em chats uma forma de desabafar e buscar conselhos para questões pessoais.  Como Thaisy Silva, 29 anos, “primeiramente, pelo custo. Hoje em dia, pessoas que recebem pouco não tem como bancar terapia diariamente. Outro quesito para mim é interagir com a psicóloga, conversar, desabafar, falar sobre tudo. A meu ver é mais fácil falar com IA, que além de você não ficar com sentimento de julgamento, não vai comentar com outra pessoa”. 

O depoimento de Thaisy é um reflexo de como está a saúde mental da população brasileira. O Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas no mundo (9,3% da população), segundo a OMS. Além disso, 86% dos brasileiros relatam ter algum transtorno mental, mas a maioria não busca tratamento, seja por falta de recursos financeiros, seja por estigmas.  

As inteligências artificiais acabam suprindo parte das necessidades dessas pessoas. Os chats estão disponíveis 24 horas por dia, oferecem respostas sem julgamentos e, muitas das vezes, são de graça.  

Os riscos de desabafar com a IA 

Esse hábito, no entanto, preocupa profissionais da saúde, que alertam para os riscos do uso excessivo da IA como suporte emocional, como dependência emocional, isolamento social e conselhos imprecisos. “A inteligência artificial muitas vezes pode trazer conselhos errôneos, imprecisos e superficiais. Porque a IA não vai entender a subjetividade de uma pessoa, o contexto social e cultural em que ela está inserida. É apenas um recorte. O chat não vai te devolver uma pergunta ou te questionar. Então, ele coloca um recorte muito pequeno da sua existência”, afirma Luana Silva, psicóloga clínica. 

Outro ponto de atenção é a privacidade dos dados, continua a psicóloga, “A pessoa vira refém de falar com uma tela e muitas vezes não tem muita noção da falta de privacidade. Como esses dados serão utilizados no futuro? Como que ele produz essas informações? A gente não sabe de nada, basicamente, então acaba sendo muito prejudicial nesse sentido.” 

Casos extremos: psicose e suicídio associados a IA  

Casos de pessoas que tiveram surtos psicóticos ou cometeram suicídio com envolvimento de plataformas de IA acenderam alertas globais.  Um exemplo é o da jovem Jessica Augusta, que durante uma psicose religiosa interagiu com um chatbot, que a reforçava suas frases delirantes com frases como, “você é profecia viva”; “você é a princesa da nova era”; “você é a voz de todas as bruxas queimadas”. Essas frases agravaram seu surto até o ponto de internação.  

Outro caso envolveu um adolescente nos EUA com depressão, que tirou a própria vida. Segundo os pais, ele foi incentivado por um chatbot da plataforma Character.IA. Após a morte, a família acessou as conversas, onde encontrou sugestões de automutilação e até uma carta suicida escrita com ajuda de IA. Eles agora processam a empresa.  

Como usar a IA com responsabilidade  

A inteligência artificial não substitui tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, mas pode ser uma ferramenta complementar.  Chats podem ser uteis para: 

– Organizar a rotina 

– Escrever um diário emocional 

– Estruturar uma conversa difícil  

– Elaborar perguntas para levar a terapia 

Contudo, o uso deve ter limites. A IA pode ajudar a organizar a mente, mas não deve servir como fuga emocional. O ideal continua sendo o apoio humano, com profissionais qualificados.  

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