Entenda porque a série Adolescência é tão relevante no cenário atual

Foto capa: Netflix

Por Nathalia Ribeiro

No dia 14 de setembro, aconteceu em Los Angeles a cerimônia do EMMY, uma das mais importantes premiações da televisão. A série britânica “Adolescência” teve grande destaque e levou 6 dos prêmios principais como Melhor Minissérie, Direção e Roteiro. O intérprete Owen Cooper, de 15 anos, levou o prêmio de melhor ator coadjuvante, tornando-se o mais jovem da história a vencer qualquer categoria da premiação. 

É fato que a produção tem grande qualidade técnica e se destacou, atraindo a atenção da academia. Entretanto, a obra também obteve sucesso com o público e teve considerável repercussão em diversos países.  

O enredo retrata como a família do adolescente Jamie Miller, de 13 anos, é afetada depois de sua prisão pelo assassinato de uma colega de classe.  

Stephen Graham, ator que interpretou o pai de Jamie, também foi o roteirista e produtor executivo da minissérie. Esteve no programa de auditório “The Tonight Show” e contou ao entrevistador Jimmy Fallon como surgiu a inspiração, 

“vi duas notícias nos jornais de dois meninos diferentes em lados opostos do país que esfaquearam meninas até a morte. Isso machucou meu coração e eu pensei: Que tipo de sociedade é essa em que estamos vivendo, em que jovens meninos esfaqueiam jovens meninas? Quando nós éramos crianças, não tínhamos redes sociais, não tínhamos acesso a todas essas coisas que realmente influenciam as mentes jovens. E se todos nós formos responsáveis? O sistema de educação, mães e pais, a comunidade e o governo? Talvez todos nós sejamos responsáveis e deveríamos ter uma conversa sobre isso”. 

A série então abre um debate sobre o tipo de conteúdo que está sendo acessado por crianças e adolescentes na internet e nas redes sociais.  

Representando a junção de dois termos em inglês que traduzidos significam celibato involuntário, o conceito de “Incel” é introduzido na produção da Netflix durante a investigação de homicídio da personagem Katie. Trata-se de um grupo de homens que se declaram involuntariamente celibatários, e muitas vezes manifestam ressentimento contra as mulheres e a sociedade. Apesar da série mostrar um caso fictício, há diversos registros deste tipo de ocorrência na vida real. Os manifestos dessa linha de pensamento publicados em fóruns da internet divulgam a ideia de que mulheres são as verdadeiras culpadas pelo fracasso sexual e pessoal dos homens.  

Outro movimento que segue uma linha de raciocínio semelhante é o “Redpill”, que faz referência ao filme da cultura popular Matrix e afirma que os homens devem despertar para a realidade e abraçar a “masculinidade dominante”. Estes homens se colocam como vítimas de uma opressão que historicamente e socialmente não existe e estabelecem nesses espaços virtuais, um grande fluxo de mensagens agressivas contra mulheres. Jamie é retratado na minissérie como um menino inseguro, isolado e vulnerável aos efeitos dos discursos de comunidades misóginas online. 

É evidente que essa aversão, desprezo e preconceito contra mulheres não é algo novo, porém as redes sociais têm o poder de potencializar esse tipo de manifestação ideológica. Estes conteúdos estão inegavelmente moldando a mente dos jovens, que passam grande parte de seus dias utilizando celulares, tablets e computadores. São diversos os perigos que precisam ser atentamente observados e combatidos, uma vez que essa má influência pode manipular a mente e a percepção de realidade destas crianças e adolescentes e resultar em atos violentos e nocivos não somente para a sociedade mas também para eles mesmos. 

No dia 12 de setembro, o jornal The New York Times publicou uma notícia inquietante: A cidadã estadunidense Becca Dallas entrou com um processo contra as empresas Discord e Roblox, dois sistemas amplamente utilizados por crianças e adolescentes. A primeira é um aplicativo de comunicação por voz, texto ou vídeo e a segunda uma plataforma de jogos online que, segundo o periódico nova-iorquino, tem aproximadamente 40 milhões de usuários com menos de 13 anos. 

Becca afirma que as empresas precisam ser responsabilizadas pela morte de seu filho Ethan Dallas, um menino de 15 anos diagnosticado com autismo que cometeu suicídio em abril de 2024 após se tornar amigo de outro jogador da plataforma Roblox. A polícia da Florida chegou à conclusão que provavelmente se tratava de um adulto de 37 anos, Thimothy O’Connor, que havia sido preso por posse de pornografia infantil. Em uma entrevista com o jornal estadunidense, Becca disse que as conversas entre seu filho e o amigo, que Ethan acreditava se chamar Nate,  começaram pelo Roblox, depois passaram para o Discord e se tornaram sexuais.  “Nate” o ensinou a desativar alguns dos controles parentais e passou a chantageá-lo. Ethan começou a jogar na plataforma com 7 anos de idade, em 2015, e as conversas entre os dois já aconteciam há alguns anos. 

O processo detalha a experiência de Ethan e ressalta os perigos da existência desse tipo de plataforma, acusando-a de permitir a exploração sexual de crianças ao não instaurar medidas de segurança eficazes criando um ambiente ideal para a ação de predadores sexuais. 

Tanto a minissérie Adolescência quanto este sombrio caso fazem refletir sobre o acesso à internet destes jovens.  

No Brasil, a atenção para o tema foi atraída após a produção de um vídeo feito pelo influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, que relata os problemas de “adultização”, exploração sexual e do livre acesso de crianças e adolescentes às redes sociais. 

Uma pesquisa do IBGE feita em 2022 revelou que 84,9% das crianças entre 10 e 13 anos e 94,1% dos adolescentes entre 14 e 19 anos têm acesso à internet no país. 

Como é possível ter controle sobre os conteúdos que essas crianças e adolescentes estão consumindo? 

O governo brasileiro já deu um grande passo proibindo celulares nas escolas para diminuir os impactos negativos de seu uso excessivo. Porém, a profundidade dessa questão vai além das salas de aula. Quais serão as próximas medidas para tornar estes ambientes virtuais verdadeiramente seguros?  

A série Adolescência evidência portanto a influência de comunidades online na formação emocional e comportamental de crianças. É preciso que haja esforços dos governos, das famílias, e das próprias plataformas online para que as redes sociais sejam aliadas do processo educativo e não promotoras de violência.

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