Foto capa: Reprodução / Lance!
Por Beatriz Saramago
Quando o Rio discute um novo autódromo em Guaratiba, eventos esportivos na orla ou a construção e transformação de estádios históricos, a conversa vai muito além de obras e calendários. Esses projetos escancaram algo maior: a discussão sobre qual cidade estamos construindo e quem participa dessa decisão.
Através das rodas de debate realizadas no Lance! Talks – Rio, capital mundial do esporte, na última quarta-feira (18), na Câmara dos Vereadores, ficou claro como, por trás de cada proposta, existe um tabuleiro onde se cruzam interesses públicos e privados que devem andar de mãos dadas com os comunitários.

O Autódromo Parque de Guaratiba, projeto de investimento privado de R$1,3 bilhão liderado pela Genial e com gestão inicial da Rock World, empresa responsável pelo Rock in Rio, é apresentado como motor econômico para a Zona Oeste e porta de entrada para a volta da Fórmula 1 à cidade maravilhosa. “Aquela área precisa de equipamentos que possam gerar economia e que possam gerar desenvolvimento mais ordenado”, disse o vereador Caio Caiado sobre Guaratiba. A promessa política é clara: transformar um terreno particular em um polo esportivo capaz de receber mais de 360 mil pessoas em três dias de evento, com múltiplos traçados e até modalidades que não encontram espaço em outros autódromos, como o de São Paulo.
Mas isso vem acompanhado de questões ambientais e de mobilidade. O projeto só avançou depois da sanção da lei que instituiu a Operação Urbana Consorciada do Autódromo, estabelecendo as diretrizes urbanísticas e as contrapartidas necessárias para viabilizar o empreendimento. Na prática, significa reconhecer que, para além do entusiasmo com a “volta da F1 ao Rio” — que, segundo o vereador, é uma certeza — existe um território real a ser reorganizado através de vias, serviços, compensações ambientais, mobilidade e o uso futuro de uma vasta área verde para que dificuldades encontradas ao entorno do Autódromo de Interlagos, por exemplo, não se repitam.

Na orla, o desafio ganha outra forma. A praia, como destacado por Luiz Paulo Moura, sócio-diretor da SportLab, não é apenas um cenário para grandes eventos, mas “um patrimônio cultural e uma economia de R$4 a 5 bilhões por ano — 1,5% do PIB do Rio.” Intervir ali significa equilibrar os interesses privados dos patrocinadores e organizadores esportivos com o direito de banhistas, moradores, comerciantes e esportistas amadores ao uso diário desse espaço público que é, por excelência, um espaço democrático já inserido no dia-a-dia dos cariocas. Por isso, segundo Moura, o ideal é que os grandes eventos deixem legados permanentes como programas sociais, infraestrutura comunitária ou melhorias acessíveis.
O vereador Fernando Armelau (PL) destacou também que transparência fiscal e dados concretos sobre retorno econômico são essenciais para evitar a percepção de privatização e equilibrar o diálogo com quem teme perder espaço na orla.

Renato Brito, vice-presidente geral do Vasco, reforçou que os estádios não devem servir apenas para jogos, “são equipamentos urbanos, são motores de economia, mas também têm papel social”. Segundo Brito, o Rio carece de arenas para shows de grande porte e precisa de um novo estádio. Já o vereador Felipe Boró destacou que o Maracanã é parte do patrimônio cultural e turístico da cidade e não apenas uma peça do futebol, mas uma arena que precisa dialogar com shows, eventos e outros modos de uso para gerar receita. Ele defendeu ainda um estudo viário para uma nova estação de VLT com fácil acesso ao estádio do Vasco da Gama.
No fim, discutir autódromo, orla e estádios é discutir sobre quem usa, quem acessa, quem decide, quem lucra e quem perde. E, para uma cidade que se apresenta como “capital mundial do esporte”, esse jogo político e urbano importa tanto quanto qualquer medalha.
