A persistência do nepotismo no governo brasileiro 

Foto de capa: Reprodução/Canva 

Por Clara Avidago 

Nepotismo, a prática de oferecer vantagens a parentes, não por mérito, mas por proximidade, é uma conduta antiga que ainda persiste na sociedade. O Brasil é um país regido pela democracia, sistema que defende a igualdade de direitos e oportunidades entre os cidadãos. Nesse contexto, quando um lado passa a ser favorecido, o surgimento de falhas se torna inevitável. 

De acordo com a CGU (Controladoria-Geral da União), instituição responsável por fiscalizar irregularidades e garantir moralidade nos processos de nomeação e contratação, o nepotismo pode se manifestar de diferentes formas. A modalidade direta ocorre quando uma autoridade contrata ou nomeia um parente seu, sem critérios técnicos. Já o nepotismo cruzado é mais sutil, autoridades de órgãos diferentes “trocam favores”, nomeando familiares uns dos outros. Outro tipo é o nepotismo presumido, em que a contratação de parentes para cargos comissionados, estágios ou serviços terceirizados dispensa até mesmo a comprovação de influência, pois a lei já considera essas situações ilegais por si só.  

No Brasil, essa cultura se firmou nos tempos coloniais, quando o país vivia uma época de patrimonialismo e clientelismo. A primeira mudança significativa foi implementada por Getúlio Vargas a partir da Revolução de 1930. O presidente estabeleceu o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), um órgão que foi responsável por coordenar as nomeações, promoções e a organização do serviço público. Entre as inovações estava a ampliação da exigência dos concursos públicos para grande parte dos cargos na administração pública federal.  

Anos depois, a Constituição Federal de 1988 fundamentou os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e igualdade. Embora não mencione explicitamente o termo “nepotismo”, esse conceito foi consolidado com a edição da Súmula Vinculante nº 13 pelo STF em 2008, que proíbe a nomeação de parentes até o terceiro grau para cargos comissionados no serviço público. A súmula foi reforçada por outras normativas, como o Decreto nº 7.203/2010, que combate o nepotismo na administração pública federal, proibindo a nomeação de parentes até o terceiro grau para cargos comissionados, funções de confiança, estágios e contratações temporárias, exceto em casos de processo seletivo regular. O decreto veda a contratação de empresas onde familiares de agentes públicos tenham poder de direção e exige a exoneração de funcionários em casos de nepotismo. 

Os desafios na erradicação do nepotismo na administração pública brasileira são muitos. A fiscalização é falha, permitindo que a prática continue. Cargos públicos são usados para favorecimentos ou facilitação de corrupção. A real extensão dessa conduta é escondida pela falta de transparência e pressão da sociedade. 

Uma auditoria que analisou transferências de recursos federais para OSC (Organizações da Sociedade Civil), no período de 2017 a 2022, foi publicada pela CGU. As OSC são entidades sem fins lucrativos que promovem direitos sociais, sustentabilidade e combatem a exclusão na sociedade. Sua finalidade é, sobretudo, o apoio às pessoas em situação de vulnerabilidade. Nesse relatório, foram identificados R$ 13,34 bilhões de recursos federais transferidos para essas organizações. 

O documento, publicado em dezembro de 2024, revelou várias irregularidades. Ele aponta que R$ 73,7 milhões foram destinados a entidades em que os dirigentes eram parentes de autoridades, incluindo R$ 18,5 milhões direcionados a parentes de até segundo grau, o que é ilegal. Os auditores encontraram 658 contratações de empresas dos diretores das OSCs e 254 contratações de empresas de familiares dos gestores, somando, respectivamente, R$ 36,7 e R$ 30 milhões.  

O chamamento público serve para escolher, de forma justa e transparente, quais entidades receberão verbas para executar projetos, protegendo o cofre e o interesse público. Ele evita que recursos sejam distribuídos de forma arbitrária. De acordo com a CGU, 96,5% das parcerias foram feitas sem chamamento público. Além disso, mais de um terço das OSCs não possuía funcionários registrados, apesar de receberem valores altos. As falhas de verificação de parentesco permitiram que o governo confiasse apenas na declaração das entidades. 

O nepotismo é normalmente defendido com o argumento de que a família garante eficiência e lealdade em cargos. No entanto, se o debate é sobre eficiência, é fundamental que exista um sistema que exija que qualquer pessoa, seja parente ou não, prove sua capacidade antes de ser nomeada ou promovida. Quanto a lealdade, essa deve ser baseada no compromisso ético e profissional. Quando é baseada em relações pessoais, interesses próprios podem sobrepor o bem comum, prejudicando a imparcialidade necessária na administração da República. 

Qualquer pessoa com o conhecimento sobre contratações irregulares de parentes no serviço público pode fazer sua imputação diretamente no site da CGU, canal oficial para denúncias. 

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