O figurinista e o processo de criação: A construção visual dos personagens 

Foto de capa: Reprodução/Freepik  

Por Natália Medeiros 

Por trás de personagens memoráveis, existe o look perfeito para cada papel. As escolhas sobre cada peça de roupa e cada acessório utilizado pelos atores são essenciais para a composição do personagem. Essa é a função do figurinista, criar histórias através do vestuário. A imagem comunica antes das palavras, por isso o figurino é tão essencial. 

De acordo com a figurinista e professora de figurino do curso de cinema da UNIFACHA, Nívea Faso, o figurino faz parte da linguagem de uma obra dramatúrgica, ele é a “segunda pele do ator e pele do personagem”. “Antes mesmo do personagem falar ou agir, o figurino já transmite pistas visuais ao espectador”, afirmou Faso. 

Como é a construção de um figurino 

Construir o visual de um personagem dá trabalho. Exige muita pesquisa, amplo conhecimento, entrosamento e muito diálogo com a equipe. A atividade se dá em colaboração com o diretor, cenógrafos, diretor de arte e outros membros do grupo para desenvolver uma visão unificada. De acordo com a professora Nívea tudo começa pela leitura do texto, a partir dali se analisa a trajetória do personagem e o contexto histórico, cultural e estético da obra. “Na escolha do figurino, são levados em conta: a linguagem do produto, a paleta cromática, os materiais disponíveis, as necessidades técnicas do ator para a construção do personagem, o perfil do ator e o diálogo com os demais elementos da cena, como cenografia, direção de arte e iluminação”, explica a figurinista. É necessário um planejamento detalhado e cuidadoso para criação e escolha de figurinos pertinentes à obra e com uma funcionalidade que esteja de acordo com a exigência de cada espetáculo. Em produções de época, por exemplo, o figurinista precisa fazer uma pesquisa vasta sobre história, para entender como era a moda naquele ano, como se vestiam as pessoas de diferentes classes sociais e gêneros e quais tecidos eram utilizados. O profissional também precisa ter em mente a funcionalidade dos trajes, especialmente em produções de teatro ou dança, onde o movimento é crucial. 

Figurinos que viraram tendência 

Alguns personagens da teledramaturgia brasileira ficaram famosos também pelo seu figurino, como é o caso das roupas ousadas da personagem Bebel, interpretada pela atriz Camila Pitanga, na novela Paraíso Tropical. Alguns looks chegaram a sair da novela e ir para as ruas. Babalu de quatro por quatro interpretada por Letícia Spiller virou tendência de estilo entre as mulheres que queriam se vestir como a personagem. A Jade (Giovanna Antonelli) em o Clone, usava uma pulseira anel que virou febre em todo Brasil. Apesar da extensa propagação, “O figurino não tem como objetivo seguir tendências da moda, porque sua função não é estar na vanguarda do vestuário cotidiano, mas sim construir visualmente um personagem em um contexto específico” afirmou Nívea. Para a figurinista, o olhar do profissional, por ser tão aguçado, pode acabar criando uma tendência, mas essa não deve ser a prioridade na hora de pensar no figurino do personagem. 

Nívea Faso.
Créditos: Divulgação  

Formação  

Para trabalhar como figurinista é necessária uma formação multidisciplinar. A profissão exige conhecimentos de diversas áreas, desde belas artes e design, à costura e modelagem. Além do conhecimento estético e técnico, é importante saber sobre dramaturgia, com formações na área de cinema e artes cênicas. “O mais importante é ter consciência da pluralidade de saberes que atravessam essa prática”, explicou a figurinista Nívea, que é formada em Artes Cênicas – indumentária e cenografia pela UFRJ e possui mestrado e doutorado em arte e cultura contemporânea pela UERJ. 

Mercado de trabalho 

As possibilidades de trabalho na área são amplas. Passa por diferentes campos, da dramaturgia a eventos corporativos e exposições. Um figurinista pode trabalhar compondo figurino para espetáculos, como dança, circo, show e performances. “Além da criação artística para cena, muitos figurinistas atuam também em consultoria de imagem, styling e produção de moda — áreas que, curiosamente, têm suas raízes justamente no trabalho dos figurinistas dos estúdios de Hollywood. Foram eles os primeiros profissionais a construir a imagem pública de estrelas fora das telas”, especificou Nívea. Ela alerta que a limitação de orçamento e o tempo são grandes desafios para a profissão. “Além disso, o figurinista precisa conciliar visão artística com capacidade de gestão, liderança de equipe e sensibilidade para traduzir subjetividades em linguagem visual”, alertou Faso. 

Inspirações  

Alguns figurinistas fizeram história com suas criações e desenvolveram peças únicas.  Adrian (1903-1959) assinou figurinos para estrelas como Greta Garbo e Joan Crawford e criou os vestidos do filme O Mágico de Oz (1939). 
Collen Atwood trabalhou em grandes obras do diretor Tim Burton, como Alice no País das Maravilhas (2010) e Edward Mãos de Tesoura (1991). Edith Head ganhou oito estatuetas do Oscar e virou inspiração para a personagem Edna Moda da animação “Os Incríveis”. 

Para Nívea Farso o trabalho de Emília Duncan, Beth Filipeck, Ruth E. Carter e Holly Waddington, são grandes inspirações. “Ruth E. Carter é uma referência incontornável, especialmente pela forma como ela articula ancestralidade, tecnologia e identidade negra nos figurinos de filmes como Pantera Negra. E recentemente, o trabalho de Holly Waddington em Pobres Criaturas me impactou enormemente”, disse Farso. Para a figurinista, essas “são profissionais que expandem as fronteiras do figurino como linguagem e me fazem pensar com mais liberdade e profundidade.”    

Entre seus trabalhos, Fraso, destacou A Corrida do Ouro, um espetáculo de teatro com direção de Eduardo Vaccari e produção da UERJ em Casa e Maschere Ateliê. “A encenação trabalhava com máscaras balinesas, e isso impunha uma inversão fascinante: como o rosto do personagem já estava fixo na máscara, o corpo do ator e o figurino precisavam acompanhar essa identidade visual e simbólica — e não o contrário, como acontece comumente. Isso exigiu uma construção extremamente consciente da forma, da textura e do movimento, em total sintonia com a máscara. Foi um deleite poder pensar tão artisticamente, sem amarras naturalistas” explicou a figurinista Nívea.

2 comentários sobre “O figurinista e o processo de criação: A construção visual dos personagens 

Deixe um comentário