Foto capa: JDawnInk Design & Illustration
Por Nathalia Ribeiro
O dia 23 de agosto foi escolhido pela UNESCO para ser o Dia Internacional da Memória do Tráfico de Escravizados e sua Abolição.
A data foi adotada pois marca o início da Revolução Haitiana, quando em 1791, a partir da disseminação dos ideais de igualdade, fraternidade e liberdade da Revolução Francesa, os escravizados de São Domingos se rebelaram contra o poder da colonização francesa que administrava a região de forma extremamente violenta. A revolução terminou com a vitória dos revolucionários, a independência do Haiti e o fim da escravidão no país.
De acordo com Audrey Azoulay, diretora geral da UNESCO, a data serve para homenagear as diversas vítimas da escravidão que lutaram por sua liberdade e inspirar as gerações futuras para que construam sociedades mais justas.
O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão em 1888 e até hoje é possível encontrar marcas deste período tão doloroso em diversos aspectos da sociedade brasileira. O país recebeu aproximadamente 4 milhões de escravizados entre os séculos XVI e XIX, totalizando aproximadamente 350 anos de escravidão. Na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro existiu o maior porto de entrada de escravizados africanos das Américas. A localização estratégica da região permitia que essa “força de trabalho” fosse facilmente enviada para outros estados como Minas Gerais e São Paulo.
A área que hoje engloba os bairros Santo Cristo, Gamboa e Saúde foi onde grande parte da população negra se estabeleceu após o fim da escravidão e se tornou um lugar de resistência e preservação da cultura africana. O sambista Heitor dos Prazeres, que nasceu na região, a apelidou de Pequena África, nome que depois foi referenciado no livro “Tia Ciata e a pequena África” do escritor e professor Roberto Moura.
Essa região do Centro do Rio de Janeiro abriga ainda hoje, alguns dos muitos locais historicamente marcados pelo doloroso período da escravidão:
Cais do Valongo
Construído em 1811, foi o principal porto de entrada de escravizados africanos no Brasil e nas Américas. Foi remodelado e posteriormente aterrado em meio a reformas da cidade. Em 2011, com as obras do porto maravilha foi redescoberto e em 2017 ganhou título de Patrimônio Mundial.

Pedra do Sal
Durante o período colonial, o sal que chegava no porto era descarregado pelos escravizados na pedra. Nela se desenvolveram práticas religiosas, capoeira e rodas de samba. Hoje é um local popular que atrai muitos turistas e cariocas.

Largo do Depósito
Neste Largo, onde hoje se encontra a Praça dos Estivadores, havia “casas de engorda”, destinadas a preparar os escravizados para venda após a sua chegada ao Brasil. Os escravizados frequentemente chegavam feridos, doentes e desnutridos. Eram, portanto, alimentados nestas casas para aumentar seu “valor de mercado”.

Cemitério dos Pretos Novos
Localizado bem próximo ao Cais do Valongo está o Cemitério dos Pretos Novos. A viagem até o Brasil ocorria em condições degradantes, os africanos capturados não tinham acesso a higiene, passavam fome e lidavam com doenças, portanto, muitos morriam no caminho ou rapidamente após a chegada. Estima-se que entre 20.000 a 30.000 pessoas recém-chegadas da África tenham sido enterradas no que é considerado o maior cemitério de escravizados das Américas. Construções foram feitas em cima do local, assim como no caso do Cais do Valongo. Dessa forma, o cemitério só foi redescoberto em 1996, quando um casal encontrou restos humanos em seu terreno, desencadeando pesquisas arqueológicas na área. Hoje há no local o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, que permite visitações e também é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO.

Atualmente existem diversos circuitos e percursos turísticos pela região, permitindo que os visitantes entendam o verdadeiro impacto destes eventos e aprendam mais sobre estes locais de memória, sofrimento e grande violência contra a humanidade.
Preservar a lembrança destes acontecimentos é de extrema importância pois é preciso conhecer o passado para planejar um futuro melhor. A partir destes conhecimentos sobre acontecimentos que moldaram a história do país e formaram a identidade brasileira, pode-se evitar que os erros do passado se repitam.
