Medalhista de bronze em 1972, viveu a infância durante a Segunda Guerra Mundial, quase virou fazendeiro e acabou como personagem de documentário
Foto de capa: Rafael Cruz e Octavio Neto
Por Rodrigo Glejzer
Esporte centenário, o judô japonês começou a fincar suas raízes no Brasil na década de 1920 e, desde então, tem sido uma das principais modalidades a condecorar medalhistas olímpicos verdes e amarelos. Não por menos, quem iniciou o caminho dourado nacional no esporte foi um atleta nipônico chamado Chiaki Ishii.
Infância em meio à guerra
Chiaki Ishii nasceu em Ashikaga, localizada na província de Tochigi, a 80 km da capital Tóquio, em 1941. Filho de uma família numerosa, o futuro medalhista olímpico teve de conviver com a fome e a pobreza junto a um Japão que deixava de lado sua época medieval, das espadas samurais em punho, e embarcava para a modernidade, dos exércitos equipados com mosquetes e rifles.
Em sua infância, Ishii viu de perto as ações do Imperador Hirohito, soberano da Era Showa. Responsável por dar prosseguimento às reformas japonesas, iniciadas na Era Meiji e continuadas na Era Taisho, o monarca manteve a abertura do país para a industrialização ocidental. E, segundo Altino Silveira Silva no artigo “O Imperialismo Japonês”, ainda iniciou o segundo e terceiro ciclos imperialistas. Inclusive, a vontade do governo japonês de expandir seu território, uma pequena ilha rodeada por montanhas com relevo acidentado, algo que dificultava e muito a construção de moradias e ampliação da agricultura, foi um dos motivos primordiais para a entrada do país em seus dois principais embates no século XX: a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial.
Depois de vencer a Rússia e ganhar a posse da região da Manchúria, localizada ao leste da Ásia, em 1905, o Japão, trinta anos depois, resolveu atacar a China na tentativa de anexar o território de forma oficial. Junto às investidas ao vizinho asiático, o Imperador Hirohito viu na aliança com a Alemanha Nazista, e posterior formação do Eixo, uma forma de também assaltar e transformar as colônias europeias na Ásia e no Pacífico em ajundamentos japoneses. Principalmente a Indochina, hoje conhecida como Vietnã e que pertencia à Holanda, e Cingupura, administrada pela Inglaterra.

O resultado de tamanha investida se provou catastrófico para a “Terra do Sol Nascente”. Depois de bombardear a base náutica americana de Pearl Harbor e receber, como resposta, duas bombas atômicas, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, o Japão viu-se devastado ao final das duas guerras, em 1945. O sentimento de perda na época era tão constante que o patriarca da família Ishii escolheu Chiaki, um nome neutro que significa “Mil Outonos” na língua local, para o filho ainda não nascido. Como não havia formas de saber o sexo do bebê, e as obrigações de soldado deixavam-no longe da família, além do sério risco de não retornar, foi a maneira que encontrou para criar um vínculo com seu rebento antes de partir, novamente, às trincheiras.
A vida no Judô
Em meio ao caos em sua nação, Chiaki Ishii encontrou na luta uma maneira de crescer tanto mentalmente quanto fisicamente. Seu avô, um experiente lutador de jiu-jitsu e dono de uma academia de artes marciais, e seu pai, mestre no judô, impuseram desde cedo, com quatro ou cinco anos, um rigoroso treinamento ao futuro atleta olímpico na arte do “caminho suave”. Crescendo dentro da modalidade e batendo os 22 anos, tentou entrar para a equipe olímpica japonesa, que iria disputar os Jogos de 1964, na capital Tóquio, mas acabou perdendo a vaga para Isao Okano, campeão dos médios em casa.
Decepcionado com seu desempenho e arrasado por Okano ter sido o medalhista de ouro, Ishii abandonou os tatames e foi em busca de uma nova vida no Brasil. Desde pequeno, sonhou em viver como os cowboys de Faroeste, com cigarro na boca e chapéu de couro à la Clint Eastwood, famoso pelo personagem “Homem sem Medo” nos anos 1960. Como não era o filho mais velho e, por isso, sem a responsabilidade de cuidar dos pais durante a velhice, rumou para a América do Sul, o “lugar do futuro” segundo um vizinho, em 2 de maio de 1964.
Depois de mais de um mês navegando, desembarcou no novo continente e começou a viajar por terras sul-americanas. Conheceu a Argentina, a Bolívia, o Chile e o Peru antes de escolher o Brasil como seu novo lar. Ansioso para seguir seu sonho de ser fazendeiro, seguiu direto para uma colônia agrícola em Presidente Prudente, São Paulo, onde morou e trabalhou durante alguns meses. Com o dinheiro ganho, trouxe a então namorada, Keiko, direto do Japão.
O problema é que a renda não era suficiente para sustentar a família, então não demorou a retornar aos tatames. Como, dentro da comunidade, ocorriam alguns campeonatos de luta, sem restrição de peso ou arte marcial, conseguia ao menos o básico com as bonificações pelos combates ganhos. Disputando uma espécie de vale-tudo, desbancou sem dificuldades as principais figuras do cenário local. Mostrando o talento que quase o levou às Olimpíadas pelo Japão, o jovem imigrante chamou a atenção do presidente da Confederação Brasileira de Pugilismo, Augusto Cordeiro, entidade responsável por administrar o judô na época.
Sem titubear, Cordeiro passou a tentar convencê-lo a se naturalizar e fazer parte da delegação de judô. Vendo a oportunidade de participar dos campeonatos nacionais, já que eles eram exclusivos a brasileiros, Ishii aceitou o convite e começou a lutar pelas cores verde e amarela. Participou e venceu torneios por toda a América do Sul, mas conseguiu seu maior destaque quando viajou para a Europa e disputou o Campeonato Mundial na Alemanha, realizado em Ludwigshafen no ano de 1971. Conseguindo a medalha de bronze, credenciou-se para uma vaga na equipe olímpica nacional.
As Olimpíadas de Munique
De volta à Alemanha depois de levar o Brasil ao pódio no judô pela primeira vez em um campeonato mundial, Ishii teve as Olimpíadas como a grande oportunidade para elevar o padrão de vida de sua família, formada por ele, sua esposa Keiko e duas filhas pequenas.
Confiante, foi até os tatames alemães vestindo as cores de sua nova nacionalidade e não fez feio. Venceu suas três primeiras lutas sem problemas, só tendo dificuldades contra o alemão ocidental Paul Barth, na quarta luta, com derrota decidida pelos juízes. Na repescagem, enfrentou o alemão oriental Helmut Howiller e ganhou sua quinta luta, garantindo a medalha de bronze, a primeira na história do Brasil no judô. Quase foi para a final, mas o britânico David Colin Starbrook, futuro medalhista de prata, saiu-se melhor e ficou com a vaga para a decisão.
A felicidade só não foi completa porque presenciou o atentado contra a delegação israelita em plena Olimpíada de 1972. O grupo terrorista Setembro Negro, de origem palestina, invadiu e assassinou atletas e membros do corpo técnico de Israel. O motivo do ataque foram os constantes problemas entre palestinos e israelenses desde que a ONU estabeleceu o país israelita dentro do Oriente Médio, às margens do Mar Mediterrâneo, na zona considerada como a Terra Santa bíblica por judeus, cristãos e muçulmanos. Até hoje, é o maior ato de terrorismo em um grande evento esportivo.
Chiaki Ishii pós-Olimpíadas
Medalhista olímpico aos 31 anos, Ishii não disputou outros Jogos, mas virou referência no país para qualquer atleta que quisesse ser bem-sucedido no judô. Suas academias, que se mantêm até hoje, são ponto de parâmetro para os judocas brasileiros. Inclusive, a delegação olímpica que fez parte dos Jogos de Los Angeles, em 1984, procurou os ensinamentos do antigo campeão para se preparar melhor para as lutas.
“O meu pai fez parte da preparação toda (da delegação para os Jogos nos EUA). Eles iam lá, na academia da Conselheiro Furtado, todos os dias, até nos finais de semana, para fazer treino. Meu pai chamava os atletas para irem lá em casa, para assistirem a vídeos e estudarem os adversários. Eu me lembro de ele ensinando e estudando os adversários com cada atleta, fazendo tática de luta. Era o estrategista da seleção”, revela Vânia Ishii, a filha mais nova, em entrevista ao site do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).
Também em conversa com o COB, o primeiro medalhista de ouro no judô brasileiro, Aurélio Miguel, relembra a importância de Ishii não só para as conquistas olímpicas, mas para o esporte em si.
“O Ishii foi importante na nossa formação. Havia treinos de fim de semana na Federação Paulista, vinha gente do Brasil inteiro, e ele puxava o treino. Ele estava sempre lá ensinando a gente, passando as técnicas. A gente evoluiu em função do que ele passava para gente, eu, o Sampaio… Eu me aprimorei através dos ensinamentos dele também. Ele é muito estudioso dos detalhes, é um grande observador, sempre colaborou com as novas gerações. Foi muito importante esse contato que tivemos com ele”, avalia o campeão olímpico de 1984.
Mestre Ishii ainda conseguiu emplacar duas filhas, Vânia e Tânia, no judô olímpico brasileiro. A primeira representando o Brasil nos Jogos de 1992, em Atlanta, e a segunda nas Olimpíadas de Sydney (2000) e Atenas (2004). Em 2019, foi imortalizado no Hall da Fama do COB durante o Prêmio Brasil Olímpico. Dentro do judô, mantém a faixa de nono dan, a segunda mais alta no esporte.

O grupo de jornalismo esportivo ESPN fez um pequeno documentário sobre a saga de Chiaki Ishii até as Olimpíadas de Munique. Juntando familiares, amigos pessoais e personalidades do judô, o filme “Chiaki Ishii – O Samurai Brasileiro” reconta toda a trajetória de vida do primeiro judoca brasileiro medalhista olímpico.