Foto de Capa: Promulgação da Constituição do Brasil em 5 de outubro de 1988. Na foto, o presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães (PMDB-SP) e os vice-presidentes Mauro Benevides (PMDB-CE) e Marcelo Cordeiro (PMDB-BA) (Foto: Acervo CEID/CD)
Por Nathalia Machado
Em 3 de agosto de 1988, a Assembleia Constituinte, estabelecida no ano anterior, implantava no texto constitucional artigos que vetavam a tortura e censura política, intelectual e artística no Brasil, garantindo, assim, a liberdade de expressão e que o Estado não censurasse à imprensa ou quaisquer tipos de manifestação cultural. “Parece comum, ou mesmo óbvio, mas nenhuma das constituições republicanas, desde o final do século XIX, garantiu tal espaço de forma tão ampla. Em geral, tais temas sempre foram combatidos por deputados nos debates legislativos, argumentando a função do Estado em garantir a defesa dos costumes e do pudor familiar”, reitera o historiador e professor José Paulo Antunes.
A censura à qual a data se refere se limita à liberdade de expressão, nela o governo impedia a propagação de quaisquer opiniões divergente às suas ideologias, práticas e interesses.
Após 21 anos de ditadura militar, um marco importante no processo de redemocratização do Brasil foi a promulgação da Constituição Cidadã, a Constituição Federal de 1988. Num processo que durou pouco mais de um ano, esta foi produzida por 559 congressistas e estabelece diversos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, liberdade religiosa, direito à saúde, educação, salário mínimo, previdência etc.
Diversos excessos impostos nos governos militares foram revertidos pela Assembleia Nacional Constituinte como:
“Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” – Art 5º, Inciso III
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” – Art 5º, Inciso IX
“É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” – Art 220, § 2º
Censura no Brasil
Segundo José Paulo, quando o assunto é sobre manifestações intelectuais e artísticas, o senso comum costuma separar os posicionamentos sobre a gestão pública, estrutura econômica e atuação de movimentos sociais dos posicionamentos que enfatizam a crítica à estrutura social brasileira e suas desigualdades, tais como racismo, machismo, pobreza, homofobia etc. “Os primeiros seriam a agenda política e os demais, pautas de costumes. Antes de mais nada, é preciso ressaltar que ambos são políticos, mas no que diz respeito às perseguições e restrições de Estado, a diferença existe. Ao longo de toda a História republicana houve censura a algum desses posicionamentos, com mais ênfase em algum deles em determinados períodos”, completa.
Durante a Primeira República (1889-1930), por exemplo, a força policial era responsável pelas restrições, acompanhando manifestações culturais e expressões para resguardar os valores da boa sociedade. Com a ascensão de Vargas e o avanço do pensamento socialista pós-crise de 1929, a censura se tornou mais sistemática. “As polícias ainda atuavam, mas dessa vez como braços de uma estrutura vinculada à própria presidência, por meio de um Departamento de Imprensa e Propaganda, que investia, acima de tudo, numa imagem positiva da governança. Vê-se aí que os ‘costumes ficavam em segundo plano em relação à ‘política’, embora ainda houvesse perseguição às formas de pensar que não resguardassem o brasileiro ideal, a família ideal, a mulher ideal, o trabalhador ideal”, explica o professor.
Como os meios de comunicação sempre tiveram papel significativo para a formação da opinião pública, regimes autoritários procuravam ter controle sobre as atividades destes, com o intuito de garantir que os veículos de informação não desestabilizassem o poder. A Lei da Imprensa, de 1967, por exemplo, instituía a censura prévia a jornais e outros periódicos, não podendo publicar nenhum conteúdo que fosse sensível ao governo. Era comum ver poemas e até mesmo receitas inseridos na diagramação dos jornais no lugar de textos censurados.
Nessa mesma época, diversas formas de expressão artísticas foram alvos de censuras pelos militares, como teatro, filmes, música, cinema e novelas, que tinham que passar pela análise dos censores para chegarem ao público. Não eram barrados apenas o que se opunha ao regime, mas também que ferisse, de alguma forma, a visão de “moral e bons costumes”. O produtor de filmes de terror Zé do Caixão, por exemplo, foi diversas vezes censurado sob acusação de apologia ao satanismo.
Por fim, o que diferencia a ditadura dos demais períodos da História Republicana é a convergência das censuras daquela, que eram extremamente estruturadas e articuladas para reprimir tanto aos que criticavam o Estado e o sistema, quanto aos que faziam críticas à estrutura social. “Isto porque a Lei de Imprensa de 1967 e o Ato Institucional N° 5, que dava poderes ao presidente para instituir censura prévia “quando julgasse necessário” são criados em meio a um período muito singular da História do século XX. Em primeiro lugar, devido à forte polarização ideológica na Guerra Fria, daí a necessidade de fazer valer a visão do sistema capitalista como única alternativa, e aquele governo como mais eficiente. Em segundo lugar, tais regramentos também conviviam com o avanço da contracultura nos anos 1960: surgimento do anticoncepcional e liberação sexual da mulher, lutas anticoloniais na África e Ásia e pelos direitos civis aos negros nos EUA, defesa de educação mais crítica etc”, José Paulo completa.
O dia 3 de agosto celebra o Dia do Fim da Censura no Brasil por ter sido o dia que outorga da atual Constituição. A importância da data precisa ser lembrada, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são alicerces cruciais à estrutura das democracias.