No Dia dos Animais, conheça mais sobre a beleza e as polêmicas nos esporte a cavalo

Presente desde a Antiguidade, o uso de cavalos no esporte atravessou gerações e hoje é de alto rendimento. Porém sua cena é bastante nichada e com frequentes casos de maus-tratos  

Foto de capa: Reprodução/Cavalus 

Por Rodrigo Glejzer 

Praticar esportes é sinônimo de moldar o corpo e proteger a saúde para o ser humano. Seja levantando peso, correndo por uma pista ou driblando com uma bola, homens e mulheres colocam músculo e mente para trabalhar em conjunto buscando a melhor performance. Contudo não é apenas na força humana que o desporto se resume.  

Na verdade, desde a Antiguidade, podemos perceber o uso de animais em algumas atividades como agricultura, caça e guerra. Um dos principais sendo o cavalo. Os gregos, inclusive, foram os precursores no uso do adestramento de equinos, inicialmente voltados ao combate com armas brancas. Anos mais tarde, no século V, Átila, o Huno, se destacou por sua maestria com cavalos. Conhecida como “Flagelo da Europa”, a cavalaria huna tinha como trunfo a habilidade de usarem arcos compostos enquanto montados.  

Já em termos esportivos, uma das mais famosas utilizações foi na corrida de bigas. Popular entre os romanos, os homens utilizavam uma espécie de carroça puxada por cavalos para competir. Vencia aquele que terminasse as voltas antes do seu oponente ou conseguisse incapacitar o adversário durante o percurso. Eram disputadas em circuitos chamados circus, o mais famoso sendo o Circus Maximus, e fizeram parte da programação dos Jogos Olímpicos da Era Antiga.  

Com a queda do Império Romano em 476, as bigas foram caindo em desuso, mas não a utilização dos cavalos em competição. Nos tempos modernos, há o hipismo e o turfe como os esportes cuja harmonia entre homem e equino é essencial para o sucesso do competidor.  

O filme Ben-Hur ficou famoso por reproduzir as intensas corridas bigas – Crédito: Tenor

Hipismo e Turfe 

A partir do século XIX, época em que os cavaleiros já tinham o hábito de saltar durante as caçadas no Reino Unido, o hipismo começou a tomar forma como esporte competitivo. Em 1868, a Real Sociedade de Dublin passou a promover algumas provas de salto em altura e a distância, com o intuito de testar a capacidade dos cavalos de caça.  

Vinte anos mais tarde, acabaram por criar o molde para os torneios atuais. Baseada em uma pista dividida em quatro etapas, os competidores tinham que superar dois obstáculos fixos, um em formato de parede de pedra e o outro era uma espécie de tanque d’água escavado no solo. Vencia aquele que conseguisse se sair melhor contra os desafios.  

Já no início do século XX, Federico Caprilli, um oficial da cavalaria italiana, revolucionou na forma com que os cavaleiros se portavam ao montar. Utilizando-se do “Método Caprili”, os esportistas aprenderam a deixar de manter o corpo na vertical, o que forçava o seu equilíbrio nas rédeas e no estribo (estrutura que segura o pé), e passaram a deixar a cabeça e, principalmente, o pescoço da montaria livres, sem alterar a estabilidade do cavalo no instante do salto. 

Segundo o próprio Caprilli: “o objetivo principal do cavaleiro deve ser responder a todas as mudanças de equilíbrio, seguindo os movimentos do cavalo”. Seu principal objetivo era que o cavalo, ao se aproximar do obstáculo, aprendesse a não temer a ação do cavaleiro. O animal deveria ser persuadido de que sempre teria liberdade para pular, sem se preocupar em se machucar por causa de alguma interferência de quem o montasse.  

Para quem quiser saber com mais detalhes como a competição do hipismo funciona, o Em Todo Lugar preparou uma matéria especial sobre o tema durante as últimas Olimpíadas. 

Federico Caprilli foi figura fundamental para o hipismo – Foto: Reprodução/Societá Nationale 

O turfe não tem uma origem diferente do hipismo. Os primeiros eventos envolvendo corrida profissional com cavalos ocorreram por volta do século XVI, na Inglaterra, com o primeiro Jockey Club sendo fundado em 1750, em Londres. Considerado um esporte de alta classe, era realizado em pista de grama, e vencia aquele que cruzasse o percurso primeiro. Vale frisar que desde aquela época já existia o hábito de apostar entre um páreo e outro.  

Atualmente, há um calendário oficial organizado de forma semanal pelos Jockey Clubs. As corridas dividem-se em dois tipos: “comum” (onde a seleção é realizada pela idade e número de vitórias do animal) e “clássico” (concentrando as principais provas, chamadas de “Grandes Prêmios”). As competições são disputadas em, pelo menos, dez páreos, intercalados com intervalos para a realização das apostas. 

Realizadas em hipódromos, os percursos podem ser de areia ou grama, assim como as pistas podem ser fechadas (com curvas e retas) ou totalmente retas. O trajeto ainda pode ser dividido em 1000m (sprinters), 1600m (milheiros) e 2500m (fundistas). Normalmente disputado com jockeys (cavaleiros) montados a cavalo, o turfe também pode ser disputado com carroças (em algo bem parecido com as antigas bigas).  

Famosas em Roma, as corridas de charrete (ou bigas) voltaram a ser disputadas nas últimas décadas – Crédito: ustrotting 

Algumas curiosidades 

Além dos cavalos, o hipismo tem outros charmes. O principal deles é que não há a diferenciação de sexo entre seus praticantes. Homens e mulheres costumam competir nas mesmas categorias sem problemas. Como o mais importante é a ligação entre humano e montaria, e a consequente habilidade em manejar o animal, acaba que questões como força e velocidade, fundamentais em outras modalidades esportivas,  ficam em segundo plano.  

Outro ponto interessante é a longevidade que seus praticantes alcançam atuando em alto nível. Um exemplo é Raimond D’Inzeo, cavaleiro italiano, que chegou a atuar em oito Jogos Olímpicos, o último deles aos 51 anos em 1976. Em Tóquio, a australiana Mary Hanna participou de sua quinta olimpíada aos 66 anos de idade. Até hoje, o austriaco Arthur Von Pongracz (72 anos em 1936) e a britânica Lorna Johnstone (70 anos em 1972) são os recordistas no hipismo em termos de durabilidade.  

Von Pongracz é o atleta mais velho a competir no hipismo olímpico – Foto: Reprodução/Eurodressage  

Já o turfe se destaca por três fatores: o tipo de montaria, os pré-requisitos para ser jockey e as apostas. Estrelas do evento, os cavalos precisam ser de puro sangue. Isso porque, quando não há cruzamentos entre raças diferentes, os animais tendem a ser menores, mais leves e ativos. Os mais utilizados em corridas são o Puro Sangue Inglês e o Quarto de Milha. Quando aposentados, tanto os machos como as fêmeas tendem a virar reprodutores.  

Já os jockeys, por serem os responsáveis por manejarem os cavalos, têm certas limitações quanto ao peso para que não influenciem muito na performance do animal. Segundo informações do Jockey Club de São Paulo, o responsável por conduzir os cavalos tem em média de 49kg a 52kg. Embora não tenha um limite de altura, os jockeys são, normalmente, baixos. Ambos os sexos podem cumprir a função e não há divisão de gênero nos torneios. Dentro do turfe, as mulheres que cavalgam são conhecidas como joquetas.  

Há séculos presentes nas corridas, as apostas continuam sendo um dos principais charmes no hipódromo. Podendo ser por pouca quantia ou milionárias, os palpites são divididos em seis modalidades, e seus rendimentos variam. Os que exigem que o apostador acerte a ordem de chegada tendem a ser mais rentáveis. Vale ressaltar que, apesar de jogos de azar serem geralmente proibidos no Brasil, o turfe é legalizado no país segundo a lei Nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984. 

Eis as opções de apostas: 

  1. Vencedor – em apenas um cavalo e se ele chega em primeiro lugar;  
  1. Placê – em apenas um cavalo e se ele chega em primeiro ou segundo lugar (não precisa acertar a ordem); 
  1. Dupla – em dois cavalos e se eles chegam em primeiro ou segundo lugar (não precisa acertar a ordem); 
  1. Exata – em dois cavalos e se eles chegam em primeiro ou segundo lugar (precisa acertar a ordem); 
  1. Trifeta – em três cavalos e se eles chegam nas três primeiras posições (precisa acertar a ordem); 
  1. Quadrifeta – em quatro cavalos e se eles chegam nas quatro primeiras posições (precisa acertar a ordem). 
Um dos páreos dentro do GP Brasil de Turfe em 2020 – Crédito: Turfe do Nordeste 

Ultra investimento e casos de maus-tratos 

Principal atração e peça de ambos os esportes, as montarias têm tratamento especial. Alguns haras, estabelecimentos voltados à reprodução de cavalos, recorrem a geneticistas para conseguir as melhores combinações para seus animais. Gasta-se uma verdadeira fortuna para armazenar e tratar os animais. Para se ter uma noção do valor líquido, alguns desses cavalos chegam a ter seus preços de venda na casa dos milhões. O maior exemplo é o caso Fusaichi Pegasus, um puro sangue inglês vencedor do Kentucky Derby, vendido pela bagatela de U$ 70 milhões em um leilão.  

É de se imaginar que, valendo tanto, não existam casos de maus-tratos, certo? Infelizmente, essa não é a realidade. Na verdade, em 2002, o jornal britânico The Daily Telegraph detalhou “incidentes frequentes de violência” contra cavalos de adestramento em competições, incluindo ataques que deixaram os animais com “bocas rasgadas e flancos ensanguentados”. Os ataques incluíam cavaleiros chutando e surrando suas montarias durante as competições. Os principais abusos vinham do uso excessivo das esporas, ferramenta utilizada no calçado do cavaleiro, ocasionando o corte na pele dos cavalos, do torcer das rédeas, como punição quando o cavalo deixasse de trotar da maneira desejada, e da utilização exagerada do chicote.  

Sete anos depois da reportagem, durante uma das etapas da Copa do Mundo, o hipismo viu-se novamente em meio a polêmicas depois que surgiram imagens do cavaleiro sueco Patrick Kittel utilizando a técnica rollkur em sua montaria Watermill Scandic, um puro sangue holandês. Esse método de treinamento envolve forçar de forma agressiva a cabeça do cavalo em uma curva profunda, de modo que seu nariz quase toque seu peito, a ponto de hiperflexionar seu pescoço. Considerada uma forma cruel de adestramento, a Federação Equestre Internacional (FEI) condena a prática apesar de não punir com frequência quem se utiliza dela. Kittel, por exemplo, continuou a competir normalmente e chegou a se classificar para as Olimpíadas de 2012 e 2021. 

Imagens feitas de Kittel aplicando a técnica rollkur – Crédito: epanotv 

Neste ano, os casos de abusos a animais continuaram a aparecer. Em abril, o cavaleiro brasileiro Leandro Aparecido, representante do país durante os Jogos de Pequim em 2008, foi punido com três anos de suspensão depois que um vídeo seu maltratando um pônei viralizou em 2020. Aparecido tentou justificar que estava reprimindo o animal, após o mesmo morder sua filha, de dois anos, e deixar sua pele em carne viva.  

Meses mais tarde, em agosto, no decorrer das Olimpíadas de Tóquio, outro caso de agressão a cavalos chamou a atenção. Durante as disputas do pentatlo moderno, a atleta alemã Annika Schleu, uma das favoritas ao pódio, não conseguiu realizar o percurso de hipismo, pois sua montaria, Saint Boy, se recusava a entrar no percurso.  

Como os atletas do pentatlo não têm conhecimento prévio sobre o animal que usarão, tendo apenas 20 minutos antes do início da prova para conhecer e adaptar-se ao animal, não é incomum esse tipo de problema. Tanto que o próprio Saint Boy já havia se negado a competir mais cedo, quando foi designado a fazer parceria com a russa Gulnaz Gubaydullina.  

O problema é que Schleu, desesperada para forçar a montaria a saltar, passou a chicotear o cavalo em excesso. Para piorar a situação, a técnica da alemã, Kim Raisner, perdeu a razão e acertou um soco no animal. Logo em seguida, Raisner foi removida do hipódromo e excluída dos Jogos no Japão. Um mês depois, a União Internacional do Pentatlo Moderno (UIPM) reprimiu as atitudes da técnica, ameaçou revogar sua licença para treinar, caso ocorra outro caso de agressão, e forçou-a a tomar aulas sobre tratamento humanizado em animais. Já Schleu foi declarada inocente das acusações de usar força em excesso contra Saint Boy, e nenhuma sanção foi decretada contra a amazona.  

Alguns casos de abusos contra os cavalos em provas de hipismo – Crédito: Animal Liberation Japan 

O turfe não escapa dos problemas de maus tratos. Este ano, em reportagem especial, a BBC Panorama revelou que, pelo menos, quatro mil cavalos de corrida foram mortos de forma irregular em abatedouros no Reino Unido. Desde 2019, há filmagens de muitos deles sendo abatidos de forma cruel e, completamente, contrária ao que legisla as leis britânicas sobre a eutanásia.  

Como é particularmente comum que os criadouros optem pela morte do animal em casos de lesões graves, quando o cavalo não tem possibilidades de recuperar um dos movimentos das patas por exemplo, ou idade muito avançada, o parlamento britânico passou a exigir alguns protocolos. Entre eles estão a necessidade de sedação, que o abate seja rápido e indolor, e que eles não sejam mortos um na frente do outro. Lamentavelmente, muitas dessas regulamentações estavam sendo quebradas. 

Fora a violação de regras, a BBC Panorama mostrou que nem todos os cavalos eram idosos ou tinham lesões graves. Muitos deles, na verdade, eram jovens e, por terem sofrido alguma lesão, mesmo de menor grau, eram rejeitados. Alguns deles, inclusive, haviam sido campeões de algumas provas de corrida. Todavia, como o custo de manter um animal de alto rendimento é muito alto, passou-se a optar pelo descarte.   

Segundo a BBC Panorama, cavalos estariam sendo abatidos de forma ilegal no Reino Unido – Foto: BBC Panorama 

Com o tanto de acusações, tanto o Comitê Olímpico Internacional (COI) como o parlamento britânico têm sofrido enorme pressão de movimentos contra o abuso de animais. Os protestantes pedem o fim das provas de corrida e a saída do hipismo do quadro olímpico de provas. No entanto, como ambos os esportes têm um enorme fluxo de dinheiro envolvido, é muito difícil que qualquer grande impedimento seja feito.  

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