Por Juliana Martins e Clara Jares
Foto reprodução: dibradoras.com.br
É fato que, por muitos anos, o meio esportivo foi totalmente dominado por homens, seja nos estádios ou nas coberturas e nos programas jornalísticos. Para chegar a lugares de destaque no jornalismo esportivo, as mulheres precisam confirmar repetidamente os próprios conhecimentos e competências, o que ainda não torna o caminho menos árduo.
Quando finalmente conseguem espaço nos veículos, elas enfrentam todo tipo de preconceito e assédio, tanto nas redações, quanto em campo. Em entrevista ao canal de mídia Dibradoras, a comentarista Ana Thais Matos revela comentários que recebeu quando começou a ter notoriedade no meio: “você começa a ver umas mensagens do tipo ‘Nossa, mas você fala muito bem de futebol! Você entende mesmo!’. Como se fosse um absurdo uma mulher entender, sabe? Como se a gente fosse uma aberração, de outro planeta”.
Para chegarem a lugares de destaque, as comentaristas e narradoras de hoje contaram com a assistência de várias outras que abriram caminho durante as décadas anteriores. Elas também merecem ser lembradas e celebradas pelas conquistas profissionais, principalmente em um cenário que era muito mais restrito na época.
Algumas pioneiras
Uma das primeiras mulheres a atuar no jornalismo esportivo no Brasil foi a Maria Helena Rangel, trabalhando na Gazeta Esportiva em 1947. Desde a infância ela se envolveu com o esporte. Além de colecionar títulos já na vida adulta, Maria Helena se formou em Educação Física. A jornada como jornalista esportiva durou apenas cinco anos, envolvendo centenas de coberturas de campeonatos e até viagens ao exterior. Infelizmente, a família não conseguiu guardar nenhum registro da época.
Outra mulher importantíssima para a história feminina no esporte foi a Marilene Dabus, primeira mulher a cobrir o futebol. Marilene começou a desbravar o mundo do jornalismo em 1968, quando participou do programa “Vença o Vencedor” na TV Tupi. Por conta do sucesso desse projeto, foi oferecido a ela o cargo de setorista do clube no jornal Última Hora. Marilene Dabus seguiu a carreira como repórter da seleção brasileira na cobertura da equipe formada por João Saldanha, que se preparava para a disputa da Copa do Mundo do México. Em entrevista para o Jornal do Brasil em 2007, Marilene desabafou sobre a lenta caminhada feminina “acho que as mulheres ainda não ocuparam o espaço que abri. Existe muito preconceito nas editorias, eu sofri bastante. Mas desde a revolução feminista, era inevitável que a gente fosse ocupando espaço”.

Glenda Kozlowski, campeã mundial de bodyboard, entrou de braços abertos para o jornalismo esportivo em 1992. A apresentadora foi inserida no jornalismo em 1992, para apresentar o programa 360 Graus, do canal Top Sport, que hoje é conhecido por SporTV. Glenda começou a trabalhar na Globo em 1996, apresentando o programa Esporte Espetacular ao lado do repórter Clayton Conservani. Fez diversas reportagens especiais para os programas esportivos da emissora, entre as quais, praticando surf em um rio no Amapá e pulando de bungee jump ao vivo. Participou de sua primeira cobertura internacional pela Globo na Olimpíada de Sydney. Em 2001, voltou à apresentação do Esporte Espetacular, dessa vez ao lado do repórter Tino Marcos.
Em 1997, Luciana Mariano, primeira mulher a narrar uma partida de futebol na televisão brasileira foi vista em ação pela primeira vez. Ela conta que já tinha experiência com esportes, mas que a narração foi uma feliz surpresa. Esse momento foi interrompido por 19 anos, nos quais a jornalista se afastou das narrações. Em 2018, Luciana foi convidada pela ESPN para uma ação no Dia Internacional da Mulher, narrando uma partida da Liga da Europa, que lhe garantiu espaço permanente na emissora.
A partir disso, as participações femininas no jornalismo esportivo se movimentaram em uma crescente, revelando nomes representativos que também já estão marcados na história. Para citar alguns dos maiores, temos Vanessa Riche com ampla experiência no Grupo Globo desde 1999. Fernanda Gentil é mais um ícone do esporte, atua há mais de dez anos e também já trabalhou com Riche na Rede Globo. Renata Fan comanda o programa Jogo Aberto da Band desde 2007, quando o mercado era bastante restrito, principalmente na televisão.
É válido também destacar o trabalho das mais atuais, como Ana Thais Matos, principal rosto feminino do futebol atualmente, com conhecimento amplo e posicionamentos fortes, Renata Mendonça, Karine Alves, Renata Silveira, Carol Barcellos, entre outras tantas que reforçam o time de mulheres no jornalismo esportivo.
#DeixaElaTrabalhar
Muito além das barreiras intelectuais, elas enfrentam, também, as imposições estéticas e os casos de assédio. Em 2018, após uma série de episódios, que teve como estopim um beijo forçado por um torcedor na jornalista Bruna Dealtry, formada em Jornalismo na Facha, em uma transmissão ao vivo, foi criado o movimento #DeixaElaTrabalhar, contra o machismo nos ambientes de trabalho. A imagem de Julia Guimarães na Copa do Mundo de 2018 também ficou marcada por conta do assédio que sofreu ao vivo.

O destaque da campanha foi um vídeo com relatos de agressão e assédio sofridos por algumas das 50 jornalistas que faziam parte do grupo na época. Figuras emblemáticas como Cristiane Dias, Karine Alves, Julia Guimarães, Carol Barcellos, Bárbara Coelho e Fernanda Gentil participam do vídeo. Clubes de futebol de todo o Brasil demonstraram apoio à causa por meio das redes sociais, ação vista, em sua maioria, somente no Dia Internacional da Mulher.

A ascensão delas
O projeto “Narra Quem Sabe”, realizado pela Fox Sports em 2018, escolheu três mulheres para narrar jogos da Copa do Mundo do mesmo ano. Isabelly Morais, Manuela Avena e Renata Silveira foram as vencedoras. Renata se tornou a primeira mulher a narrar um jogo de Copa do Mundo masculina em TV aberta, pela Globo. Já Manuela, hoje narra o Campeonato Baiano pela TVE Bahia e é a primeira mulher a narrar jogos da Copa do Nordeste. Com passagem pela Band, Isabelly hoje também integra o time de comentaristas da Rede Globo.
Na final da competição também estavam Natália Lara, que viria a comentar a Copa do Mundo de 2022 pela Rede Globo, Luciana Zogaib, que em 2023 vai narrar a final da Copa Libertadores da América pela Rádio Roquette, além de narrar o Novo Basquete Brasil e Gaby de Saboya, que se tornou produtora, comentarista, narradora e comanda um podcast, todos envolvendo o mundo esportivo.
Por ser um país em que o futebol comanda os noticiários, o Brasil tem poucas mulheres ocupando postos nas coberturas de outros esportes. O destaque vai para Alana Ambrósio, que é comentarista de basquete pela ESPN e Natália Lara que já narrou a NBA, maior liga de basquete do mundo, ao lado de Alana. Natália também já narrou partidas da Superliga Feminina de Vôlei. Mariana Becker, jornalista da Rede Globo de 1994 a 2021, cobriu campeonatos de surf e era conhecida pela cobertura internacional das competições de Fórmula 1.
O ano de 2018 foi marcado pelo notório crescimento de mulheres em programas esportivos na televisão. Essa mudança foi percebida, principalmente, pela grande presença feminina na cobertura da Copa do Mundo na Rússia. No âmbito da narração na televisão, foi vista uma forte presença feminina no comando em microfones nos jogos de futebol no Brasil, atividade que não era presenciada desde 1999.

A Copa do Mundo do Catar permitiu que ainda mais mulheres se destacassem nas coberturas, em especial na TV aberta. Karine Alves, apresentadora e repórter da Rede Globo, em entrevista ao Meio e Mensagem, manifesta: “a lista de mulheres é grande e, para mim, estamos consolidando tudo o que trabalhamos. Estamos consolidando uma conquista que não tem mais volta. Conseguir colocar tantas mulheres nessa cobertura prova que viemos para ficar e, de agora em diante, será daqui para mais, com mais mulheres. Doa a quem doer, agrade a quem agradar”.
As grandes emissoras ainda se negam a ceder dados sobre a quantidade de mulheres que integram as equipes de jornalismo esportivo. Números estipulados pela UOL, no que diz respeito a comentaristas, narradoras e repórteres do futebol masculino, no ano de 2018, apontam a presença feminina de apenas 9% na ESPN, 17% na Fox Sports e 19% no Esporte Interativo. A maior porcentagem se concentra no SporTV, com aproximadamente 25%.
Representatividade
As mídias alternativas têm oferecido oportunidades, valor, reconhecimento e credibilidade à muitas jornalistas esportivas. O CazéTV, canal de YouTube do apresentador e influenciador Casimiro Miguel, investe forte em mulheres para as transmissões. Antes da Copa do Mundo do Catar, a repórter Isabela Pagliari saiu do TNT Sports para cobrir o evento pela Cazé e foi um sucesso. O Campeonato Carioca de 2023 tem como repórteres de campo fixas, Bruna Dealtry e Fernanda Maia, que além da Cazé, atua como apresentadora do SBT Sports Rio e locutora do Estádio Nilton Santos. Já Isabelle Costa foi a responsável pela transmissão do Mundial de Clubes no canal. A mais nova adição do time Cazé é a apresentadora Fernanda Gentil, que vai cobrir a Copa do Mundo Feminina de 2023.
Outro canal de mídia e produção de conteúdo que valoriza e promove visibilidade à causa feminina é o Dibradoras, que está no ar desde 2015. Formado por Angélica Souza, Renata Mendonça e Roberta Nina Cardoso, o lema do portal é “Lugar de mulher é no esporte!”. Por isso, o principal objetivo do projeto é ir contra o tradicionalismo da mídia e representar o protagonismo feminino de forma relevante para o público.
Mesmo estando em menores números e sofrendo inúmeras pressões é inegável que a visibilidade feminina no jornalismo esportivo cresceu nos últimos anos. Esse progresso, além de agregar novos pontos de vista, também aproxima as telespectadoras do esporte e as estudantes de jornalismo também. As mulheres representam, numericamente, a maioria da população brasileira com 51,1% de acordo com o IBGE e no país do futebol, não conseguem reconhecimento nesse meio. É um claro retrato da sociedade que, além de diminuir, exclui e dita onde as mulheres devem estar profissionalmente e pessoalmente.