Transição capilar: autoconhecimento e empoderamento  

Por Lucas Souza Foto Capa: Fátima Amaral

Tendo em vista que grande parte da população crespa e cacheada também é negra, a falta de representatividade e, por sua vez, a alta demanda por químicas que alterem os fios capilares, são mais um dos modus operandi do racismo. Afinal, quantas crianças pretas não tiveram a autoestima dilacerada por comentários depreciativos a respeito de sua aparência? Essa exclusão acaba gerando uma sensação de não-pertencimento, levando a decisão de alisar o cabelo ainda durante a infância.  

A transição capilar como ferramenta de autoconhecimento para pessoas negras. Foto: Pixels.com

Uma das consequências que isso gera na criança é o pouco conhecimento a respeito de si mesma na idade adulta, o que torna a transição capilar um processo ainda mais complexo. É o que ressalta Chris Santos, profissional especializada em cabelos cacheados. “A maior importância da transição capilar hoje, sem dúvidas, é o autoconhecimento. Mulheres que durante 20 ou 30 anos viveram do alisamento, agora querem se permitir novamente a enxergar essa textura”, diz ela, que é dona do Espaço Chris Santos e atende um público predominantemente feminino.  

“Essas mulheres não se lembram de como era o cabelo delas e se baseiam em fotos da infância ou da adolescência.” 

Chris Santos

Chris também pontua que houve uma melhora na representatividade de pessoas com cabelos crespos, cacheados e ondulados em relação a alguns anos atrás. “Mostrar o cabelo crespo não era comum no nosso mercado. Não era comum você se deparar com um black power, com uma cacheada volumosa ou com um ondulado solto”, diz ela.  

No entanto, por mais que o cenário esteja mais propício para assumir os fios naturais, se comparado com décadas passadas, o receio de passar pela transição capilar continua sendo recorrente. É o caso de Vitória França, estudante de Psicologia. A jovem não descarta dar início ao processo, mas ainda não se sente pronta. “Eu tenho vontade, mas eu não tenho coragem. Ia ser muito difícil para mim, porque o cabelo impacta muito na nossa autoestima e no nosso dia a dia.” Vitória também conta que, desde a infância, não costumava deixar o cabelo solto e, por influência de sua mãe, começou a alisar.  

Para além de se autoconhecer, a transição capilar também se torna uma importante ferramenta de empoderamento. A dançarina Bárbara Natasha enfatiza o impacto desse processo para ela enquanto mulher preta. “A transição acabou sendo uma grande virada de chave na forma como eu me enxergava. Antes eu era mais insegura, não conseguia me vestir da maneira que gostaria e não me achava bonita.”, disse Bárbara, que também é poeta e professora de Dança.  

“Lembro de abrir meu livro da Angela Davis inúmeras vezes somente para ver a foto dela com um black imenso e sentir que poderia ser tão potente e gigante quanto ela”. 

Bárbara Natasha
Bárbara Natasha é dançarina e poeta: sua autoestima melhorou com a transição capilar. Foto: Larissa Lopes.

Eu assumi uma outra postura de extrema confiança e certeza de que, sim, sou muito linda”. Ela também ressaltou que estar conectada com o Movimento Negro foi essencial nesse ganho de autoestima. “Lembro de abrir meu livro da Ângela Davis inúmeras vezes somente para ver a foto dela com um black imenso e sentir que poderia ser tão potente e gigante quanto ela”. 

Já para o cantor e estudante de Publicidade Samuel Nahas, a transformação foi semelhante. Segundo ele, fazer a transição capilar foi libertador. “Enquanto homem negro, a importância desse momento para a minha autoestima foi inestimável. Foi um dos grandes fatores para que eu me percebesse uma pessoa preta de pele clara”, disse.  

Ainda que seja um processo gradual e contínuo, e com diversos obstáculos no caminho, podemos olhar o cenário atual como otimista para que pessoas com cabelos crespos e cacheados se sintam vistas, admiradas e representadas. É possível dizer que, hoje, uma criança preta consegue se sentir encorajada a garfar o black power e, dessa forma, crescer sem os mesmos problemas de autoestima de gerações anteriores. E que, cada vez mais, belezas plurais sejam valorizadas e contempladas mundo afora.  

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