Depois de 1 ano do caso da geosmina, moradores relatam que a água voltou a ter gosto e cheiro de terra
Foto de Capa: Tomaz Silva/Agência Brasil
Por Rafaela Alves, Manuella Cavalcanti e Nathália Machado
Desde quinta-feira, 21 de janeiro, moradores do Rio de Janeiro comentam que a água voltou a ter cheiro, gosto de terra e coloração alterada. Por causa da água turva, a Cedae – Companhia Estadual de Águas e Esgotos desligou por dez horas, na noite da quinta-feira, dia 21, o sistema de tratamento do Rio Guandu, o que causou a falta d’ água em lugares da Baixada Fluminense, Zonas Norte e Oeste. No sábado, dia 30 de janeiro, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Rio de Janeiro abriram uma nova investigação para saber o motivo da água estar de novo, como no ano passado, com cheiro, gosto e coloração alterados.
Em janeiro de 2020, aconteceu pela primeira vez a crise da água turva, e os pesquisadores descobriram a presença da geosmina na água, uma substância gerada por micro-organismos presentes na bacia do Rio Guandu. Outros estudos feitos pela UFRJ descobiram que esgotos domésticos e lixos industriais foram os responsáveis pela água alterada do ano passado.
Ana Quézia, moradora de Nilópolis, é uma das afetadas pela crise da água turva neste ano. A jovem ficou sem água em casa por um dia, na terceira semana de janeiro, e notou que a água estava com o cheiro muito forte. A estudante de biologia diz que sua família não está usando a água da Cedae para beber, “estamos comprando água mineral no mercado, inclusive está em falta em alguns mercados em Nilópolis”.
OUTRO CASO RECENTE DE FALTA D’ÁGUA NO RIO

Foto: Roberto Sitzia/ Pixabay
Moradores do Rio também ficaram sem água entre novembro e dezembro de 2020, por conta da falha em um motor da Elevatória do Lameirão, local onde fica o conjunto de equipamentos que bombeiam água para os municípios do Rio de Janeiro e Nilópolis. A Cedae informou no dia de 17 de novembro que o abastecimento seria reduzido, e a água passou a ser bombeada com 75% de eficácia, causando falta d’água na Baixada Fluminense, Zonas Norte, Oeste e Sul.
A esteticista Nataly Melo, moradora de Campo Grande, ficou mais de um mês sem água entre novembro e dezembro do ano passado. Como mãe de crianças pequenas, Nataly diz que a experiência de ficar sem água em plena pandemia foi horrível. A esteticista mora na rua Parapuí e afirma que todos os moradores da rua ficaram sem água. Nataly diz que esse problema não é de agora: “no meu bairro sofremos sempre com a falta d’água, temos que ter bomba, se não é ficar sem água na certa”.
De acordo com a empresa, foi realizado um plano emergencial para minimizar os impactos no abastecimento reduzido. A execução demandou complexidade e precisou ser feito gradualmente para não comprometer a estrutura da unidade, já que as bombas ficam localizadas a cerca de 64 metros de profundidade e o motor pesa 35 toneladas. O complexo ficou 37 dias funcionando parcialmente, afetando mais de um 1,5 milhão de moradores. A Cedae adotou medidas para minimizar os impactos, como ofertas de carros-pipas para hospitais e outros serviços essenciais e rodízio de abastecimento, mas, mesmo assim, moradores reclamaram com a falta d’água por vários dias.
A companhia anunciou no dia 21 de dezembro que o reparo no motor havia sido concluído e o equipamento voltou a operar com 100% da capacidade, o abastecimento poderia ser normalizado em até 48 horas. Para compensar o inconveniente causado à população, a Cedae afirmou que será feito um desconto automático de 25% nas contas dos clientes afetados pela redução do fornecimento de água, sendo tal redução válida para todos os tipos de consumo, tanto residenciais quanto comerciais e industriais.
HISTÓRIA DA CEDAE
A Cedae, Companhia de Águas e Esgotos, foi construída em 1º de agosto de 1975, após a fusão do Rio com a Guanabara em um só estado, o Rio de Janeiro. A empresa é derivada de uma fusão da Empresa de Águas do estado da Guanabara (CEDAG), da Empresa de Saneamento da Guanabara (ESAG) e da Companhia de Saneamento do Estado do Rio de Janeiro (SANERJ).
Desde o início da atuação da Cedae, locais como a Baixada Fluminense, Favelas e Região Metropolitana sofriam com a falta de estrutura necessária para saneamento básico e abastecimento de água. A estação do Rio Guandu fornecia água para a cidade do Rio, e também passou a fornecer oficialmente para a Baixada. Foram criadas redes de abastecimento de água e de coleta de esgoto nos outros municípios.
A Cedae surgiu com o objetivo de operar e manter a captação, tratamento, adução, distribuição das redes de águas, além da coleta, transporte, tratamento e destino final dos esgotos gerados dos municípios conveniados do estado do Rio de Janeiro. Atualmente, a corporação é responsável pelo abastecimento de água tratada e coleta de esgoto sanitário de 64 dos 92 municípios do estado. Ao longo dos anos, o sucateamento da companhia e graves crises de abastecimento em cidades do Rio de Janeiro trazem à tona questões sobre a privatização da CEDAE.
PRIVATIZAÇÃO DA ESTATAL

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Na última terça-feira de 2020, dia 29 de dezembro, o governo do Rio de Janeiro publicou o edital de leilão para conceder os serviços de coleta e tratamento de esgoto da Cedae à iniciativa privada pelos próximos 35 anos.
O projeto de concessão proposto pelo BNDES, Banco Nacional do Desenvolvimento, prevê que a captação e tratamento de água continuem sob responsabilidade do estado e a iniciativa privada assume a distribuição da água, coleta e tratamento esgoto em locais onde esses serviços já estão sob responsabilidade da companhia. Essas medidas fazem parte do Plano de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro, assinado em 2017.
A privatização da Cedae é dividida em quatro blocos e engloba 35 cidades. O bloco 1 contempla a Zona Sul da capital fluminense e 18 municípios sendo estes: São Gonçalo, Aperibé, Miracema, Cambuci, Cachoeiras de Macacu, Cantagalo, Casimiro de Abreu, Cordeiro, Duas Barras, Magé, Maricá, Itaocara, Itaboraí, Rio Bonito, São Sebastião do Alto, Saquarema, São Francisco de Itabapoana e Tanguá. O bloco 2 atende os bairros da Barra da Tijuca e Freguesia e as cidades de Miguel Pereira e Paty do Alferes.
O restante da Zona Oeste da capital (com exceção da Barra e Freguesia) contempla o bloco 3 juntamente com três cidades da Baixada Fluminense (Seropédica, Itaguaí e Paracambi) e três do Sul do estado (Piraí, Rio Claro e Pinheral). Já o bloco 4 atende às Zonas Norte e Oeste da capital e oito municípios da Baixada sendo estes Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Japeri, Mesquita, Nilópolis, Queimados e São João de Meriti.
A licitação pretende arrecadar, no mínimo, R$10 bilhões. Desse valor arrecadado, 80% vão para o estado e 5% para um fundo da Região Metropolitana. Os 15% restantes serão divididos entre os municípios onde a Cedae já opera atualmente, de acordo com a população de cada um.
Como em qualquer leilão, as empresas ou consórcios que pagarem o maior valor, assumem o serviço. As empresas terão que cumprir metas na distribuição de água e no tratamento de esgoto e serão exigidas contrapartidas entre elas. A tarifa só poderá ser reajustada pela inflação, e a tarifa social, que atualmente atende 0,57% da população, deverá chegar a 5%. Além disso, as empresas serão obrigadas a gastar no mínimo R$ 1,8 bilhão na infraestrutura de coleta de esgoto e fornecimento de água nas favelas.
No meio ambiente, o edital de licitação prevê investimentos mínimos de R$ 250 milhões para a despoluição das lagoas da Barra e Jacarepaguá, R$ 2,6 bilhões para despoluição da Baía de Guanabara e quase R$ 3 bilhões para a preservação da bacia do Rio Guandu. A abertura dos envelopes do leilão será no dia 30 de abril em São Paulo, no prédio da Bolsa de Valores.