Foto de capa: Reprodução/Netvasco
Por Augusto Vieira
Diz a lenda que, durante um jogo do Vasco da Gama contra o Botafogo, de Gerson, Jairzinho e companhia, Dulce Rosalina (1935 – 2004), ou dona Dulce, foi impedida de entrar no Maracanã por estar portando dois grandes sacos de confete. A alegação policial para tal: ela estaria em posse de “objetos perigosos”. Não prestou. Diante da intervenção policial que a impedia de assistir o seu tão querido clube do coração, dona Dulce não hesitou e proferiu a pior das ofensas possíveis contra seus algozes: “Flamenguistas! Flamenguistas!”. Diante da gravidade do perjúrio, não coube aos guardas outra alternativa senão deter Dulce Rosalina por desacato.
O rolo foi tamanho na entrada do Maracanã que alcançou o vestiário do clube da cruz de malta. Os jogadores, ao descobrirem o motivo de toda celeuma, prontamente se recusaram a pisar em campo sem a presença da primeira-dama do Vasco nas arquibancadas. Precisou o presidente do clube da colina, Manuel Joaquim Lopes, intervir a favor de Dulce para que ela pudesse assistir ao seu time do coração golear o Botafogo por 4 a 2.
O Vasco da Gama escreveu seu nome na história do esporte nacional, muito por conta dos seus êxitos desportivos, nas quadras, campos e mares. Entretanto, o clube que nasceu sob o signo da Ordem de Cristo, se destaca também pelo seu destemor em empreendimentos de vanguarda e pioneirismo que ajudaram a construir a sua imagem de grande relevância. E não há como se falar em vanguarda, pioneirismo e muito menos de Vasco, sem falar em Dulce Rosalina.
Dulce Rosalina Ponce de Léon nasceu no Rio de Janeiro, nos arredores da Ponte dos Marinheiros. Filha de um português que trabalhava na estiva e nas horas vagas discursava contra o racismo, herdou do pai a paixão pelo Vasco da Gama. Com apenas 22 anos, assumiu a presidência da Torcida Organizada do Vasco, substituindo João de Lucas, afastado da direção por motivos de saúde. O próprio João teria indicado Dulce ao seu antigo cargo, fazendo com que o Vasco, mais uma vez, quebrasse um tabu, desafiando preconceitos ao empossar uma mulher no comando de uma torcida organizada.

De personalidade forte, a então jovem Dulce não se intimidava com o ambiente machista que imperava no futebol. Devido à sua vocação para liderança, logo conquistou o respeito de presidentes de outras torcidas organizadas. Com pulso firme implementou inovações no modo de torcer que perduram até hoje, como o uso de papel picado, serpentina e bateria para saudar o time durante as partidas.
Em 1948, Dulce se apaixonou por Ponce de Léon, na época jogador do São Paulo F.C, mas com passagens por Bonsucesso, Palmeiras e pelo próprio Vasco. Reza a lenda que quando o marido enfrentava o time da colina, ele tinha duas opções: perder ou então não voltar para casa enquanto a poeira não abaixasse por medo de levar uma coça da esposa. Afinal de contas, ninguém no mundo tinha o direito de subjugar o seu tão querido time do coração.

Ao longo de sua trajetória em defesa do Vasco da Gama, Dulce Rosalina conquistou muitos amigos e admiradores dentro e fora do clube. Tanto é, que a prefeitura do Rio decidiu homenageá-la, e seu nome agora figura no lugar da antiga rua do Reservatório, próxima da entrada principal do estádio de São Januário. Uma homenagem merecida, mas que não faz sombra ao sol que foi dona Dulce, cuja presença ainda pode ser sentida por todas as vascaínas e vascaínos a cada desfraldar das bandeiras, a cada canto entoado nas arquibancadas.