A bailarina do tênis, a maior tenista do Brasil: Maria Esther Bueno escreveu história na modalidade e no esporte nacional

Foto de capa: Rafael Cruz 

Por Lucas Furtado Isaias 

A arte do balé mistura sentimentos, dança, histórias e muita elegância. No mundo dos renomados espetáculos das companhias de dança, o enredo pode ser moderno, transgressor, sem perder a graça e o requinte que são característicos. Maria Esther Bueno atuou no espetáculo do tênis e escreveu o primeiro movimento da história da modalidade no Brasil, além de um dos mais graciosos e emblemáticos enredos da história do esporte brasileiro. Nas duplas e na simples, fez seu marco conquistando 19 títulos em Grand Slams e consagrando-se como a maior tenista do país em todos os tempos.  

Maria Esther Andioni Bueno nasceu em 11 de outubro de 1939 em uma família que já respirava tênis. O pai, Pedro Augusto, amava o esporte, e a mãe, Maria, praticava tênis socialmente. Ao lado do seu irmão Pedro, ela entrou nesse mundo praticando, despretensiosamente, no Clube de Regatas Tietê, onde o pai era sócio número 5 e tesoureiro, além de ficar perto de casa. Em 1954, ela venceu o torneio brasileiro de jogadores até 14 anos e o National Seniors. A genialidade e o jogo gracioso, com seu backhand e o jogo agressivo na rede, fizeram com que ela ganhasse, no mesmo ano, nas categorias de até 18 e 21 anos.  

Sua entrada no circuito internacional foi em 1957, quando ela disputou o Orange Bowl, realizado na Flórida (hoje um dos principais torneios de juniores do calendário da ITF – International Tennis Federation), e chamou a atenção pelo seu talento no jogo. Viajando apenas com uma passagem de ida cedida pelo clube em que ela treinava, foi campeã na categoria feminina sub-18, sendo até hoje a única vencedora brasileira no torneio. A partir daí, começou o seu espetáculo no circuito do tênis, tanto nas simples quanto nas duplas. Em 1958, com apenas 19 anos, Maria Esther Bueno conquistou, ao lado da americana Althea Gibson, o título de duplas femininas de Wimbledon derrotando a dupla dos EUA, Margaret duPoint e Margaret Varner por 2 sets a 0 (6/3 e 7/5).  

Em 1959, depois de vencer vários torneios pela Europa, veio a consagração definitiva: foi campeã de simples em Wimbledon vencendo, na final, a inglesa Darlene Hard por 2 sets a 0 (6/2 e 6/3). No mesmo ano, ela conquistou o hoje US Open (na época, US Nationals Championships) derrotando Christine Turman (6/1 e 6/4). As conquistas nos dois Grand Slams a fizeram terminar o ano como a número 1 do mundo do tênis feminino.  

No ano seguinte, as suas duas rivais em decisões de simples em Slams viraram as suas parcerias em duplas: Turman no Australian Open e Darlene em Roland Garros, além dos outros dois torneios majors do calendário do tênis. E ela conquistou todos, tornando-se a primeira tenista a vencer os quatro majors no mesmo ano em duplas. E o destino fez com que Darlene e Maria se enfrentassem, novamente, em final de major em simples, desta vez no US Open, e a brasileira perdeu por 2 sets a 1 (2/6, 12/10 e 6/4). Antes, ela conquistou outra vez o simples feminino em Wimbledon, onde, na final, derrotou a sul-africana Sandra Reynolds por 2 sets a 0 (8/6 e 6/0). Em um ano com desempenho marcante, fechou de novo na liderança mundial do tênis feminino e conseguiu, também, o único título em majors competindo nas duplas mistas e foi em Roland Garros ao lado do australiano Robert Howe, derrotando Ann Haydon Jones e Roy Emerson com 1/6, 6/1 e 6/2.  

Selo feito pelos correios, em 1960, pelo bicampeonato de Maria Esther Bueno em Wimbledon – Foto: Correios 

O ano de 1961 foi difícil para Maria. Após Roland Garros, em que ela foi eliminada nas quartas de final, descobriu que contraiu hepatite e ficou oito meses fora do circuito. Voltou em fevereiro do ano seguinte e teve desempenhos bons, incluindo uma final eletrizante contra a australiana Margareth Court, na qual perdeu por 2 sets a 1 (6/8, 7/5 e 4/6), e as semifinais de simples em Wimbledon e no US Open, terminando o ano como número 2 do mundo atrás apenas de Smith. Na mesma temporada, conquistou mais um título nas duplas femininas ao lado de Darlene, derrotando Karen Hantze Susman e Billie Jean King por 2 sets a 1 (4/6, 6/3 e 6/2).  

Em 1963, Court e Bueno se reencontraram em decisões de Slam por duas vezes, e a brasileira venceu os dois duelos. A primeira foi nas duplas femininas de Wimbledon, quando, ao lado de Darlene Hard, venceu Court e Robyn Ennern por 2 a 0 (8/6 e 9/7). O segundo confronto foi no simples feminino, conquistando com 7/5 e 6/4. Na época, os duelos entre as duas tinham uma certeza: seriam jogos muito disputados e equilibrados, dignos de grandes espetáculos que o tênis pode oferecer ao público e oferece até hoje. Ela também conquistou o ouro em simples e prata nas duplas nos Jogos Pan-Americanos realizados em São Paulo (1963). 

Na sequência, 1964 foi um ano muito bom para Maria: chegou à final de Roland Garros, o seu melhor resultado no torneio francês, e venceu Wimbledon e US Open. Em Paris, voltou a perder para Smith por 2 sets a 1 (7/5, 2/6 e 6/1), entretanto, no major de Londres, ela superou a australiana pelo mesmo placar de sets, mas com 6/4, 7/9 e 6/3. No campeonato realizado em Nova York, venceu com facilidade a americana Carole Caldwell Graebner por 6/1 e 6/0. Com um ano estrelar, a brasileira voltou a terminar o ano como número 1 do mundo em mais um movimento marcante de seu espetáculo no tênis. 

Maria Esther Bueno no torneio de Hilversum, na Holanda, em 23 de julho de 1974 – Foto: Hugo van Gelderen/Anefo  

O começo de 1965 marcou a melhor campanha de Maria Esther Bueno no Australian Open, torneio que ela poucas vezes disputou em sua trajetória (exatamente, duas). Na final, precisou abandonar o confronto contra Court quando o jogo estava 5/2 favorável à australiana no terceiro set. A lesão não comprometeu o ano da brasileira que chegou às semifinais de simples de Roland Garros e US Open e à final de Wimbledon. Nas duplas femininas, ao lado de Billie Jean King, venceu a dupla francesa composta por Françoise Dürr e Janine Lieffrig por 2 sets a 0 (6/2 e 7/5). Já nas duplas mistas, chegou à final de Roland Garros junto de John Newcombe e perdeu para Margareth Court e Ken Fletcher. Contudo o desgaste ao longo do ano fez com que ela fizesse uma cirurgia em São Paulo em dezembro, o que foi o começo de um período dramático começando a conviver com lesões.  

Maria começou sua temporada 1966 em Roland Garros, chegando até a semifinal, e foi mais longe ainda em Wimbledon, onde alcançou a final. Perdeu para Billie Jean King por 2 sets a 1 (3/6, 6/3 e 1/6) e venceu pelo mesmo placar de sets nas duplas femininas ao lado de Nancy Richley contra a dupla australiana Court e Judy Tegart (6/3, 4/6 e 6/4). No US Open, chegou pela última vez em uma final de simples e derrotou sua então parceira de duplas em 6/3 e 6/1. E, juntas, consagraram-se campeãs de duplas femininas derrotando King e Rosemary Casais em 6/3 e 6/4. Mesmo se consagrando em Slams, a brasileira passou por dificuldades, um ataque de cólica causado por cálculos bilaires a tirou do torneio de Kent.  

Uma temporada difícil. Essa é uma definição para o ano de 1967 de Maria Esther Bueno. Em Roland Garros, foi eliminada nas quartas de final e, em Wimbledon, sentiu o desgaste em seu braço após jogar, em um único dia, 120 games e foi eliminada nas oitavas de final. No torneio londrino, chegou ao lado do australiano Ken Fletcher à final de duplas mistas, mas foi derrotada por Billie Jean King e Oewn Davidson em 6/3, 2/6 e 13/15. Esta foi a última vez em que a brasileira chegou a uma final de duplas mistas. As dores no braço a fizeram abandonar o US Open sem disputar uma única partida sequer. Enfrentaria a americana Kristy Pigeon naquela que seria a primeira partida da brasileira no torneio.  

As imensas dificuldades persistiram no histórico ano de 1968. Um ano revolucionário por ser o começo da era aberta e que marcou o profissionalismo do tênis. Ela conseguiu chegar à sua última final de Slam na vida e estava ao lado de uma de suas maiores oponentes, Margareth Court: 4/6, 9/7 e 8/6 sobre King e Cals. Em simples, chegou até as quartas de final de Roland Garros e Wimbledon e a semifinal do US Open. No ano seguinte, o concerto teve um hiato com todo jeito de fim. Maria Esther se retirou das quadras ao desistir do circuito do Caribe após problemas no braço. Resultados médicos, na época, apontaram que ela nunca mais poderia voltar a jogar.  

Cinco anos se passaram, e, após fazer algumas cirurgias, iniciou o segundo ato do espetáculo com menos brilho de antes e vendo o tênis sofrendo transformações. Ela conquistou apenas um torneio, em 1974, o do Japão. Em Grand Slams, o mais longe que esteve neste segundo período, em simples, foi a quarta rodada de Wimbledon em 1976, quando foi derrotada por Sue Barker, de virada, por 2 sets a 1: 6/2, 2/6 e 1/6. O fim do espetáculo nas quadras, em definitivo, foi em 1977 após ser eliminada na segunda rodada do torneio de São Paulo. Encerrava uma trajetória gloriosa e marcante no tênis e na sociedade brasileira, conquistando 589 títulos, incluindo 19 Grand Slams e uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 1963. No ano seguinte à sua aposentadoria, Maria Esther Bueno foi para o Hall da Fama do tênis, entrando na seleta galeria de grandes nomes do esporte.  

Após sua aposentadoria, participou de jogos de exibição de duplas, fazendo clínicas, que são atividades voltadas para quem quer aprender a jogar tênis de maneira rápida, para milhares de crianças e, até 1993, participando de torneios de seniors nos dois Grand Slams em que ela mais brilhou: Wimbledon e US Open. No de Nova York, chegou à final de duplas mistas seniors em 1991.  

Em 2006 tornou-se comentarista do SporTV, onde participou de diversos momentos do tênis durante uma década, incluindo em Jogos Olímpicos. Nos últimos anos, passou a comentar apenas no ATP 500 Rio Open, o mais importante torneio na América do Sul. Ela também comentou torneios na BBC. Maria também foi embaixadora divulgando o esporte na qual construiu uma trajetória marcante e brilhante.  

Em 2015, seu nome foi homenageado de forma muito especial virando a nomenclatura do Centro Olímpico de Tênis no Parque Olímpico, onde foram realizadas todas as partidas da modalidade dos Jogos Olímpicos Rio 2016, evento que ela teve o privilégio de acompanhar, de comentar no SporTV e participar segurando a bandeira do Brasil na Cerimônia de Encerramento antes do hino nacional ser tocado.  

 

Maria Esther Bueno com Flávia Penetta durante o Rio Open de 2016, último ano em que teve o torneio WTA – Foto: João Pires/FotoJump/Rio Open/Foto Pública 

Em 2017, ela descobriu um câncer no lábio, mas que pouco tempo depois acabou indo para garganta. Ela fez sessões de quimioterapia no Hospital Albert Einstein e apresentou melhora. No entanto, em abril de 2018, ao jogar tênis, Maria Esther sentiu dores, inicialmente pensando que seria uma lesão, porém, na verdade, era um novo câncer que havia se espalhado para outras partes do corpo. Dessa vez, preferiu fazer a imunoterapia. Em 8 de julho, a tenista perdeu a batalha para o câncer e deixou-nos aos 78 anos, deixando um legado imenso. Sua vida foi um baile intenso, com a precisão e elegância de segurar uma raquete e a elegância e plasticidade de seu jogo. Lendária e eterna, o seu baile será, eternamente, lembrado como um dos maiores espetáculos do tênis, porque um espetáculo formidável, com história, elegância e reverência será sempre memorizado por todos os amantes da arte sublime do esporte. A maior tenista do Brasil e, para sempre, a bailarina do tênis.  

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