Foto de Capa: Ato em Porto Alegre no Dia da Luta Antimanicomial em 2017 (Foto: Cristine Rochol/PMPA)
Por Manuella Cavalcanti
O dia 18 de maio é, antes de tudo, um dia de luta: O Dia Nacional da Luta Antimanicomial. O movimento tem como principal característica a garantia dos direitos às pessoas com transtornos mentais. Reservado, desde 1987, para celebrar conquistas e estimular debates sobre o tema, o movimento começou pelo menos dez anos antes.
No final da década de 1970, com base em denúncias de abusos em instituições psiquiátricas, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), formado por trabalhadores integrantes do movimento sanitário, associações de familiares, sindicalistas e pessoas com longo histórico de internações, foi o principal responsável por evidenciar a importância de fazer a reforma psiquiátrica no país.
No entanto, somente no final da década de 1980, no encontro de grupos pró políticas antimanicomiais, surgiu a proposta de iniciar a reestruturação do sistema psiquiátrico brasileiro. Como as ideias primordiais da reforma eram a humanização dos pacientes e a conscientização de que transtornos mentais não são estigmas, os principais pontos envolviam o fechamento gradual de manicômios e a substituição deles por serviços comunitários. Sendo assim, os pacientes teriam acesso a atendimentos psicológicos, atividades alternativas de lazer e tratamentos menos invasivos. Além disso, os maiores responsáveis pelos pacientes seriam as famílias.
Segundo a psicóloga Clarissa Leite, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial existe para que o tema saúde mental não seja encarado como um tabu: “Historicamente o preconceito sobre as questões de saúde mental existiu, mas não precisa mais ser imperativo nas relações. Somos todos humanos e devemos olhar para os outros e nós mesmos com a mesma humanidade. Nesse sentido o dia reivindica o interesse da sociedade em não manter uma estrutura que isole, objetifique e desumanize nós humanos”.
Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), na década de 1990, a rede de saúde mental foi instituída. Assim, ficou em função do Estado garantir tratamentos em comunidade, sem internação compulsória e com a livre circulação dos pacientes, contando com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que estabelece pontos de atenção para o atendimento de pessoas com problemas mentais, incluindo também os usuários de drogas. Esta rede é composta por serviços variados como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura, as Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III).
Ao longo das décadas, o movimento colecionou importantes conquistas. Uma delas foi promulgada há 20 anos: a Lei 10.216/2001, também conhecida como a Lei Antimanicomial, que representa um marco para a garantia de direitos de pessoas com transtornos mentais. Dessa forma, o Brasil foi o primeiro país da América Latina a adotar uma Política Nacional de Saúde Mental.
Apesar disso, a reforma psiquiátrica no país ainda não foi completada. Durante os anos de 2006 e 2009, cerca de 233 pessoas morreram em manicômios, em Sorocaba, sendo 102 óbitos no Hospital Psiquiátrico de Vera Cruz. Em 2018, o local foi desativado.
De acordo com Clarissa, o país, nos últimos anos, regrediu na luta: “Infelizmente, nos últimos 5 anos, com a regulamentação das comunidades terapêuticas, o Brasil está regredindo na luta antimanicomial, com movimentos conservadores da psiquiatria que pregam o isolamento e a imposição de religião como tratamento. Essas comunidades terapêuticas, que na verdade nem deveriam ter esse nome, pois não são nada de terapia, são instituições manicomiais, asilares, com fundamentações religiosas que defendem tanto na perspectiva da loucura quanto do uso de drogas, uma visão arcaica, muitas vezes moralista, ligada à ideia de pecado e de culpa”.
A Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME) elaborou, em 2020, o “Memorial: Retrocessos no cuidado e tratamento de saúde mental e drogas no Brasil”, expondo as involuções do tema no país. No documento, o órgão afirma que, com a imposição da Emenda Constitucional 95, mais conhecida como Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, a saúde perdeu cerca de R$ 22,5 bilhões nos anos de 2019 e 2020. Para a psicóloga Clarissa, esses efeitos já estão sendo visíveis: “Faltam investimentos na direção do fortalecimento da Rede de Assistência Social (RAPS), principalmente na direção de investir mais nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)”.
Durante a pandemia, a temática de saúde mental vem sendo mais abordada, o que tende a diminuir o tabu, que ainda é grande, na sociedade brasileira “No contexto da covid-19, há novos desafios em relação à efetivação da RAPS, pois surgem novas necessidades. Com o aumento da desigualdade social, desemprego, situações de vulnerabilidade, violência e uma série de situações, demandam adequação da rede assistencial, por exemplo implementação dos CAPS para atender com atuação remota, investimento em transporte para deslocamento das equipes e usuários, garantia e ampliação do BPC (Benefício assistencial à pessoa com deficiência), entre outras coisas”, finaliza Clarissa.