Tóquio 2020 atingiu a marca histórica de 49% de participação feminina. Paris 2024 pode alcançar a sonhada igualdade numérica
Foto de capa: Reprodução/ONU Mulheres
Por Júlia Nascimento
Em um 26 de agosto, as mulheres norte-americanas conquistaram um direito básico, mas de imensurável importância histórica: o direito ao voto, através da 19ª emenda. Após 53 anos dessa vitória sociopolítica para as mulheres, em 1973, tal data foi registrada como o Dia Internacional da Igualdade Feminina pelo Congresso dos Estados Unidos. Desde então, é comemorada de forma categórica, sem grandes manifestações, o que não significa que as reivindicações diárias referentes ao tema estejam paradas. Muito pelo contrário. No mercado de trabalho, nas cadeiras políticas, no simples (e desafiador) dia a dia, a mulher cresce em coragem para exigir respeito e igualdade. E, no mundo do esporte, não teria porque ser diferente.

Apostar na “única exaltação do atletismo masculino, baseado no internacionalismo, com base na justiça e no cenário artístico, com os aplausos das mulheres como único prêmio”. Esse foi o pensamento que guiou o Barão Pierre de Coubertin, considerado o fundador das Olimpíadas da Era Moderna. Documentos escritos à mão pelo próprio na época escancaram que, para o historiador francês, mulher e esporte são incompatíveis. Para elas, seria possível no máximo “semi-Olimpíadas”, pois disputas femininas “não são cenas que multidões gostariam de ver em Jogos”.
Não é de se espantar, portanto, que as primeiras edições tenham sido 100% masculinas. Já em Roma 1960, o primeiro passo: as mulheres representaram 10% dos participantes. Entrando no século 21, em Sydney 2000, elas passaram a representar um terço dos atletas olímpicos. Dando um salto maior, na Rio 2016, corresponderam a 45% dos melhores competidores do mundo. E, em Tóquio, mas um passo: por muito pouco, mais especificamente 1%, não se igualou de forma inédita a distribuição das vagas entre homens e mulheres, chegando a 49% de participação feminina. Ficou para Paris 2024 o marco histórico de igualdade olímpica (ao menos quantitativamente).
E, não surpreendentemente, elas deram conta do recado, em especial as representantes brasileiras. Tóquio 2020 teve nada menos que a melhor participação de mulheres na história do Brasil em Jogos Olímpicos. Nove das 21 medalhas brasileiras foram femininas, sendo três dos sete ouros conquistados.

E vamos relembrar, merecidamente, nossas medalhistas: Ana Marcela Cunha, ouro na maratona aquática; Rayssa Leal, a “fadinha” de apenas 13 anos que levou a prata na estreia do skate; Rebeca Andrade, um ouro e uma prata na ginástica artística; Martine e Kahena, ouro na vela (segundo seguido da dupla); Mayra Aguiar, bronze no judô; Laura Pigossi e Luisa Stefani, bronze inédito no tênis; Bia Ferreira, prata inédita no boxe; e a Seleção Feminina do vôlei de quadra, que também faturou a prata. Antes, o melhor desempenho olímpico de atletas brasileiras havia sido em Pequim 2008, quando conquistaram sete medalhas.
Relembrando agora aquelas que abriram espaço para que as de hoje pudessem passar, Maria Lenk, maior nadadora brasileira da história, foi a primeira atleta do país e da América do Sul a disputar uma Olimpíada, participando em Los Angeles 1932 com apenas 17 anos de idade. Foi a única mulher em uma delegação brasileira com 45 homens. Poucas décadas depois, na edição do Japão em 1964, Aída dos Santos, um dos maiores nomes do atletismo brasileiro, também foi a única mulher da delegação, que contou com 67 homens. A carioca não se deixou intimidar e quase retornou ao Brasil com uma medalha, terminando no quarto lugar do salto em altura.
Tóquio 2020 também foi o palco escolhido para atletas mostrarem que estão cansadas de terem seus corpos sexualizados no esporte. Na ginástica, a equipe alemã estreou utilizando um maiô muito diferente do convencional na modalidade, cobrindo as pernas até os tornozelos. A admiração que elas queriam provocar era pela performance, não pela musculatura objetificada. E impuseram. No vôlei de praia, discute-se o banimento dos biquínis em prol de confortáveis shorts e camisetas, como os homens já o fazem, não usando sungas. Dias antes dos Jogos, o time feminino de handebol de praia da Noruega foi multado por terem feito tal troca de vestuário para uma partida do campeonato europeu.

No Japão, durante as Olímpiadas, que já tiveram seu fim, foram 140 mulheres na delegação brasileira, ou seja, 46,5% dos atletas. Já nas Paralimpíadas, em andamento, são 96 mulheres e 163 homens representando o Brasil (aproximadamente 37% do total). Nota-se, então, que a participação feminina brasileira entre paratletas ainda não está no ritmo de igualdade numérica das modalidades para não deficientes. No entanto, como se observa nos mais diversos setores da sociedade, apoio, oportunidade e investimento tendem a levar ao desenvolvimento a médio/longo prazo.

No Brasil, a mulher não podia, por lei federal, jogar futebol, polo, polo aquático, rugby, baseball, praticar halterofilismo ou qualquer luta, durante a ditadura militar até não muito tempo, 1979. Eram práticas “incompatíveis com a natureza feminina”. Hoje, elas significam representatividade para meninas que ligam a TV em casa, são aplaudidas de pé e fazem o mundo ouvir o hino nacional brasileiro. Assim como as atletas das mais diversas nações, nas mais variadas modalidades. Só a própria mulher pode e deve definir qual é o seu lugar.